Mitzvat Hakehel – Reunir todo o povo de Israel – Retirado do livro Ideas de Devarim, dos rabinos Isaac Sakkal e Natan Menashe
Texto a analisar: Devarim 31:9-13
O primeiro que notamos é que quando diz esta
Torá, não se refere a toda a Torá, pois a Torá ainda não estava acabada;
faltavam acontecimentos que ainda não tinham sido escritos. É por isso que,
mais à frente, 31:24-26 diz: E foi quando acabou de escrever as palavras
desta Torá no livro, até que o completou (…) Tomai este livro da Torá e
colocai-o o na arca do pacto do Eterno. Nesse versículo vê-se claramente
que somente aí se completou a escrita da Torá. Portanto, o nosso versículo da
parashá de Hakehel (E escreveu Moisés esta Torá), não se refere a toda a
Torá.
O livro Devarim pode dividir-se da
seguinte maneira: as três primeiras parashiot (Devarim, Vaetchanan e Ekev)
tratam dos temas fundamentais do judaísmo, os que têm a ver com a fé em De’s e
com as boas qualidades.
Depois, as próximas três (Ree, Shoftim e
Ki Tetzé) são parashiot de mitzvot específicas.
A três seguintes (Ki Tavó, Netzavim e
Vaielech) fazem finca-pé na importância de nos mantermos firmes e fiéis ao
pacto.
As duas últimas (Haazinu e VeZot Habrachá)
são as últimas palavras de Moisés, ditas em forma poética.
A expressão esta Torá já foi
mencionada antes, na parashá Ki Tavó, e, tal como dissemos, essa parashá faz
parte das parashiot que se referem a nos mantermos fiéis à Torá. Portanto, a
nossa parashá não faz alusão aos cinco livros da Torá, mas sim àquelas partes
da Torá que sublinham o facto de sermos fiéis ao Pacto.
E era precisamente isto que o rei tinha
que ler. As partes do livro de Devarim que falam da importância de cumprir a
Torá e manter o Pacto.
Por outras palavras: deve escrever todos
os parágrafos que advertem sobre os benefícios e consequências do cumprimento
dos preceitos (sem entrar nos detalhes dos preceitos), quer dizer, as bênçãos e
as maldições e todos os parágrafos que nos incitam ao cumprimento de toda a
Torá.
O motivo pelo qual é entregue aos cohanim
e aos sábios, é porque os cohanim eram quem ensinava a Torá ao povo, e por isso
era importante que tivessem estes parágrafos à mão para poder ensiná-los a toda
a gente.
E é a isto que faz alusão quando diz que
se devia ler a cada sete anos, pois a Torá deve sempre ser lida e estudada, e
não só os cohanim e os sábios, mas sim todo o povo.
Portanto, vê-se claramente que a intenção
deste preceito não é estudá-la e aprendê-la, mas sim renovar o Pacto entre o
povo e De’s, lendo-a a cada sete anos.
O povo fez um Pacto com De’s no monte
Sinai, e depois renovou-o aos quarenta anos em Arvot Moav. Se prestarmos
atenção, veremos que nessas duas ocasiões são utilizadas as mesmas palavras
mencionadas agora.
A cada sete anos, quando a ideia do Pacto
consertado com De’s se vai esquecendo na consciência do povo, Moisés diz-lhes
que é necessário renová-lo. É por isso que isto foi dito logo depois de Moisés
ter reunido o povo inteiro para renovar o Pacto.
O que Moisés fez foi juntar todo o povo e
renovar o Pacto, e agora diz-lhes que isso deve ser feito cada sete anos. É por
isso que têm que vir todos: homens, mulheres e crianças, tal como aconteceu no
monte Sinai.
É precisamente isto o que diz Rambam em Hilchot
Chaguigá 3:1-3: É um preceito reunir todo Israel, homens, mulheres e
crianças, ao finalizar o ano sabático, quando sobem ao santuário. Devem ler-se
aos seus ouvidos parashiot que incentivem ao cumprimento dos preceitos e que os
fortaleçam na religião verdadeira. Parashiot cujo objetivo é o cumprimento
geral das mitzvot.
Quando se reunia e se lia tudo isso? No
final do sétimo ano sabático, depois do primeiro dia da festa de Sucot, lia-se
a Torá. E era o rei quem devia lê-la no pátio do Templo. O que é que o rei lia?
Lia desde o princípio do livro de Devarim até à primeira parte do Shemá; depois
saltava até à segunda parte do Shemá e depois saltava até às bênçãos e às
maldições. (Acaba aqui a
citação de Rambam em Hilchot Chaguigá).
O motivo pelo qual se lia exatamente estes
parágrafos é porque neles vê-se claramente o incentivo para cumprir todos os preceitos.
Tal como quando um indivíduo quer
juntar-se ao povo de Israel, o que se faz é explicar-lhe os princípios básicos
do judaísmo, a existência de De’s, a Sua unicidade, que opera a justiça, etc. E
sobre estes temas diz Rambam que nos devemos estender e abundar em detalhes, e
depois ensinam-se de forma breve o resto dos preceitos. Com isto, é suficiente
para entrar no Pacto.
É isto mesmo que se deve fazer a cada sete
anos.
Porquê os sábios estipularam que era
precisamente o rei quem devia ler esta Torá diante de todo o povo no fim dos
sete anos? De onde aprenderam isto, se a Torá não disse nada ao respeito?
Se observarmos o parágrafo anterior ao
nosso, ele fala-nos justamente de que Yehoshua seria quem faria entrar o povo
de Israel na terra. E ele era precisamente o líder político do povo, aquele que
exercia o cargo de rei.
É por isso que aprenderam que o rei é que
devia ler tudo isto aos ouvidos do povo e renovar o Pacto com De’s. E porque o
rei é o líder deles, é ele que tem a autoridade para comprometer e obrigar a
todos a cumprir o Pacto, já que todo o povo o teme e obedece às suas palavras.
Este é o motivo pelo qual deve ser lido pelo rei. Para além disso, desta
maneira o Pacto ganha uma conotação muito mais solene e séria.
Porquê deve ser feito a cada sete anos?
Porquê no ano sabático? Justamente depois do ano sabático, quando estão
tranquilos, não estão atarefados com os trabalhos do campo e as dívidas foram
perdoadas, então é quando têm a mente tranquila para poder pensar em tudo isto.
Mais um ponto a ter em conta é que
precisamente agora as pessoas começavam novamente a se dedicar aos seus
trabalhos. Por isso, antes de iniciarem os seus afazeres de rotina, a Torá
ordena este ritual, para que o povo tenha o Pacto bem presente nas suas mentes.
Tal como o fizeram no deserto com Moisés, onde reafirmaram o Pacto antes de
entrar na terra, para não terem medo de tudo o que iam ter que enfrentar, assim
também, a cada sete anos, repetem isto, para terem força e poderem enfrentar
tudo aquilo com que se terão que deparar nos próximos anos de trabalho, e para
a sua confiança e fé em De’s não se debilitarem.
Liam-se estes parágrafos no fim do ano
sabático, antes de começar tudo novamente; desta maneira vão aprender que não
devem temer nada, que o único caminho e a única fórmula para triunfar é fazer a
vontade de De’s.
No momento em que vai começar a vida
diária e a rotina, é quando é necessária uma dose extra de fé e temor a De’s
para não tropeçar.
É por isso que se fazia em Sucot, pois
nesta festa consciencializamo-nos de que tudo depende de De’s e não só de nós.
Em Sucot recordamos que fomos atrás de De’s por caminhos inóspitos e Ele nos
conduziu pelo deserto e fez com que nada nos faltasse.
Está escrito: Reunirás o povo, homens,
mulheres, crianças e os estrangeiros que estejam nas tuas cidades, para que
escutem e para que aprendam e temam o Eterno vosso De’s e cumpram todas as
palavras desta Torá.
Porquê está escrito para que escutem e para
que aprendam? Deveria ter dito para que escutem e aprendam.
O comentarista Or HaChaim diz que o motivo
pelo qual se repete a palavra para duas vezes é porque se dirige tanto
ao homem como à mulher. A maneira em que a mulher capta algo é geralmente
diferente da maneira do homem: A mulher vivencia-o, recorda-o, e fá-lo. O
homem, pelo contrário, é mais analítico: estuda-o, e aí é que se convence e se
compromete.
O objetivo a que se deve chegar é temer a
De’s, e isso vai levar-nos a cumprir todas as palavras desta Torá e cumprir os
seus preceitos. É por isso que se repete duas vezes a palavra para, pois
refere-se à internalização, seja da maneira feita pela mulher ou pelo homem.
(Por experiência ou analiticamente).
Então, qual é o objetivo: Temer a De’s ou
cumprir a Torá? Na realidade, os dois são o objetivo. Que o cumprimento dos
preceitos seja com temor a De’s, com um profundo respeito reverencial. Que não
seja um ato reflexo e automático, sem pensar no que faz ou onde isso o
conduzirá.
O facto de ser o rei quem lhes lê tudo
isto ajuda a gerar temor no povo.
O motivo pelo qual as crianças pequenas
também devem estar presentes, apesar de ainda não entenderem, é para adquirirem
temor a De’s. Não é para aprenderem os preceitos, pois, como dissemos, ainda
não têm raciocínio; o objetivo é que, ao ver todo o povo e o rei a ler a
palavra de De’s, eles adquiram uma tal experiência que fique gravada na sua
memória e nunca seja esquecida.
Estas palavras voltam a repetir-se outra
vez na Torá, e é precisamente no sopé do Monte Sinai. Ali diz: Cuida-te
muito de não esqueceres o que viste com os teus olhos, e que não se afaste do
teu coração todos os dias da tua vida. E ensinarás aos teus filhos e aos filhos
dos teus filhos, o dia em que estiveste perante De’s no monte Chorev quando
De’s disse: – Reúne-Me o povo e faz-lhe ouvir as Minhas palavras, que lhe
ensinarão a temer-Me todos os dias que vivam sobre a terra e os seus filhos o
aprenderão.
Não se trata só de recordar e renovar o
Pacto. É algo que vai mais além; trata-se de reviver o Pacto. Não é algo
meramente intelectual, mas também um acontecimento emocional; vivenciar o Pacto
com De’s como se fôssemos nós que estamos de pé no monte Sinai aceitando os
mandamentos de De’s.
Este é o motivo pelo qual não se fazia
todos os anos em Sucot, pois seria algo muito rotineiro. Mas ao fazê-lo a cada
sete anos, passa a ser algo mais especial. Como, por exemplo, quando se faz
Bircat Hachamá (a bênção quando começa um novo ciclo solar), que ocorre uma vez
a cada muitos anos. Apesar de ser somente uma bênção rabínica, é realizada do
mesmo modo, com muita emoção e entusiasmo, porque é algo que ocorre a cada
muitos anos.
Uma vez a cada sete anos a Torá fazia-nos
reviver todo este evento para que, com alta emoção e no meio de todo o povo, o
Pacto e o temor reverencial a De’s ficassem gravados no mais profundo do nosso
ser.
É por isso que se fazia no santuário, pois
o tabernáculo (como já explicámos) era como se fosse um monte Sinai portátil.
Rambam, em Hilchot Chaguigá 3:4
diz: Antes de o rei ler no sétimo ano, tocavam-se as trombetas em toda Jerusalém
para reunir todo o povo e construia-se uma grande plataforma no santuário e o
rei lia dali para que todos o escutassem e todo o povo se reunia ao redor dessa
plataforma.
De aqui vemos que as trombetas fazem-nos
recordar o som do Shofar no monte Sinai. As pessoas ao redor da plataforma
recordam-nos todo o povo a rodear o monte Sinai para escutar a voz do Eterno.
Continua Rambam dizendo: Cada um deve
ver-se a si mesmo como se estivesse a receber nesse momento a Torá e está a
ouvi-la da boca de De’s.
O número sete é muito recorrente em todo
este parágrafo, pois tem em total sete versículos, 140 palavras (20 × 7); sete
vezes aparece o nome de De’s; deve ler-se no sétimo dia da festa de Sucot; essa
festa cai no sétimo mês, e fazia-se a cada sete anos.
Tudo isto nos faz recordar quando saíram
do Egito, e que ao fim de sete semanas (7 × 7) estiveram no sopé do Monte Sinai
para fazer o Pacto com De’s.
O acontecimento do monte Sinai não foi
chamado «Dia do Sinai» ou algo do género, mas sim precisamente: Yom HaKahal, e
este preceito da nossa parashá chama-se precisamente a mitzvá Hakehel.
O dia em que todo o povo (Kahal) esteve
frente a De’s, com temor reverencial, para se transformar no povo de De’s.