Ser ou Ter – Retirado do livro Ideas de Debarim, dos rabinos Isaac
Sakkal e Natan Menashe
- O que é a Tefilá (Oração)?
- É a expressão dos meus
sentimentos para com De’s?
- Então porque tem horários e
textos fixos? Deveria ser completamente espontânea, quando eu precisasse e com
as minhas próprias palavras.
Para entender a essência da Tefilá, devemos saber que, para o judaísmo, a fé não é um
sentimento espontâneo, nem uma questão de acreditar ou não acreditar.
A fé é a força, a disciplina e o caminho para
descobrir De’s. Uma arte que cada um deve desenvolver segundo o seu potencial
espiritual.
A Tefilá é
o instrumento da fé que nos desperta da rotina e nos faz ver a manifestação
Divina nas coisas naturais.
A natureza é um conjunto de milagres, de
manifestações de De’s que sucedem periodicamente.
Por acaso a aurora e o crepúsculo deixam de ser um
milagre só porque se repetem diariamente?
O judeu entende que não, e todos os dias, de manhã
e à noite, abençoa e reconhece a intervenção divina no nascer e no pôr do sol,
observando nestes fenómenos naturais a perfeita harmonia que Ele impõe no Seu
universo.
A prática constante destes exercícios capacita o
judeu para descobrir De’s nas coisas de todos os dias.
Certa vez, o neto de Rabi Baruch estava a brincar
às escondidas com outro menino. Escondeu-se e permaneceu no seu esconderijo
durante um longo tempo, acreditando que o seu amigo procuraria por ele.
Por fim saiu e comprovou que o seu amigo se tinha
ido embora sem ter procurado por ele, de modo que se tinha escondido em vão.
Então correu para o escritório do seu avô e, entre lágrimas, queixou-se do seu
amigo.
Depois de ouvir a história, Rabi Baruch rompeu em
pranto e disse: – Também De’s diz Eu
oculto-Me, e não há quem Me procure.
De’s esconde-se à espera que O descubramos, que O
admitamos na nossa vida.
E quando percebemos que Ele se oculta, já O
começamos a descobrir.
Mas para isso precisamos de poder dispor de tempo diariamente
para poder meditar neste assunto. Infelizmente, a rotina louca na qual vivemos
não nos deixa tempo para o que é verdadeiramente importante. O nosso trabalho
ou a necessidade de sustento às vezes impede-nos de nos podermos dedicar àquilo
que é mais importante.
Ser ou ter. O grande dilema. Dedico-me ao meu
enriquecimento interior ou ao meu enriquecimento material? Somos valorizados
pelo que somos ou pelo que temos?
Uma vez, um famoso rabino que vivia muito
modestamente recebeu na sua casa a visita de uma das pessoas mais ricas da
Europa, que se encontrava de passagem por essa cidade. O rabino era um erudito
de renome, e a sua sabedoria era tão conhecida, que o milionário não quis
deixar de aproveitar a oportunidade de o conhecer. Ao entrar na casa do rabino,
ficou muito surpreendido ao ver que se tratava de apenas um cómodo, bastante
escuro e com poucos móveis. Depois de conversar com o rabino e de se deleitar
com a sua sabedoria, não pôde deixar de lhe perguntar: – Rabino, o senhor é um dos maiores eruditos da
nossa época. Porque vive de uma maneira tão precária? Porque não se muda para
uma casa melhor, mais bonita, mas de acordo com aquilo que o senhor merece? – O
rabino preferiu evitar responder naquele momento, mas prometeu responder no
próximo encontro, que seria no quarto de hotel onde o rico visitante estava a
hospedado.
Passados poucos dias, o ilustre rabino apresenta-se
no hotel, e o rico convida-o a entrar no seu quarto. Aquele quarto, como todos
os daquela época e naquela pequena cidade, era um quarto pequeno, com uma cama
e um armário, sem casa de banho privativa. O rabino franziu o sobrolho e,
espantado, perguntou ao milionário: – Diga-me, bom homem, como uma pessoa como
o senhor pode viver num lugar tão precário como este? O senhor fala de mim, mas
eu, para além da cama e do armário, tenho mesa e cadeiras, e para além disso,
tenho casa de banho privativa… – A resposta daquele homem tão importante não se
fez esperar:
– Rabino, acho estranha a sua pergunta. O senhor
bem sabe que eu me encontro de passagem por este lugar. Não me incomoda
hospedar-me num quarto assim durante a minha curta estadia por aqui. – O rabino
sorriu e respondeu:
– Eu sabia que uma pessoa inteligente como o senhor
iria estar de acordo comigo. Eu penso exatamente como o senhor, e é por isso
que vivo onde vivo. Eu também estou de passagem por este mundo, que é apenas um
corredor para o mundo verdadeiro. É por isso que não quero dedicar todas as
minhas forças e o meu dinheiro a um lugar onde estou de passagem.
Depois de um tempo, o rabino encontrava-se de
visita à cidade onde vivia aquele abastado homem, que, com muito gosto, o
convidou a conhecer a sua casa. Ao entrar no magnífico palácio, o rabino
deteve-se a observar as grandes obras de arte e os maravilhosos detalhes
decorativos tão valiosos, mas, de repente, voltou-se para o seu anfitrião e
ficou a olhar atentamente para ele, como se nada existisse ao seu redor. O
milionário olhou para ele e disse: – Que se passa, Rabino? Viu algo de que não
gostou? Então o senhor não me ensinou que tudo isto não é importante, e que
estamos de passagem pela vida? – O rabino respondeu:
– Continuo a pensar o mesmo. Não mudei o meu ponto
de vista. Só que, ao entrar na sua mansão, eram tantas as coisas belas para
observar, que deixei de lhe prestar atenção a si, ao que o senhor é, e
dediquei-me a prestar atenção ao que o senhor tem. Quando reparei nisso, pensei
que deve ser muito triste convidar alguém, e o convidado, em vez de prestar
atenção ao seu anfitrião, se dedicar àquilo que este tem. Por isso interrompi
essa postura tonta e dediquei-me ao senhor, como se nada mais existisse. Mas
quando as pessoas vêm visitar-me à minha humilde casa, não tenho dúvidas de que
o fazem porque é a mim que valorizam. Na minha casa não há nada para ver, mas
quando vêm visitar o senhor no seu palácio, é realmente a si que querem
visitar? É a si que desejam ver? Ou às suas posses?
O ser humano não transcende na vida pelo cargo ao
qual chegou na sua passagem pelo mundo. O Homem não se realiza como tal por
acumular mais riquezas ou nobreza. Devemos dedicar tempo e esforço ao nosso
enriquecimento inteletual, ao nosso crescimento espiritual, pois é isso o que
verdadeiramente perdura.
Assim como o corpinho de um bebé é pequeno e
precisa de cuidados e de alimentação, a alma, ao vir ao mundo, também é pequena
e precisa de cuidados e alimento. O bebé é alimentado com leite, depois purés
de legumes e depois carnes, mas a alma não se alimenta de sanduíches nem de
batatas fritas. Se não alimentarmos o bebé, ele não crescerá, ficará doente e
morrerá. Do mesmo modo, se não alimentarmos a alma, ela não cresce, não se
desenvolve, fica doente e morre.
Como alimentamos a alma? A alma alimenta-se das mitzvot (preceitos). Ao cumprirmo-las,
não só a alimentamos e a fazemos crescer, como conseguimos transcender na vida.
A alma é o que fica quando o corpo se vai.
Para expressar isto numa fórmula matemática
poderíamos afirmar: Alma = Eu – O meu corpo.
Mas se nunca nos dedicarmos ao cuidado ou nutrição
da nossa alma, então, muito antes do corpo morrer, a alma que estava dentro
dele já terá morrido. A alma não é um ser que vive incondicionalmente. A alma
também morre, desaparece. Por isso devemos cuidá-la, dedicar-lhe tempo. Não é
necessário que seja todo o tempo das nossas vidas, mas pelo menos que seja um
pouco…
É melhor viver de um modo mais simples do ponto de
vista material, reduzindo um pouco mais os luxos, para poder dedicar mais tempo
à parte espiritual. Por tanto, tenhamos um momento diariamente para a nossa
alma, preocupemo-nos por crescer todos os dias, assistindo a algum curso de
judaísmo, meia hora por dia. Diminuamos um pouco a nossa dedicação àquilo que é
material e enchamos a nossa alma de conteúdo, tal como diz o ditado «Não há
pobre mais pobre do que o pobre em sabedoria e conhecimento».