Por Michael Freund, Fundador e Diretor da Shavei Israel
As práticas pashtun incluem a circuncisão no oitavo dia e a abstenção de misturar carne e leite. Haverá uma conexão com os antigos hebreus?
Com a queda de Cabul nas mãos dos Talibãs, pouco antes do 20º aniversário dos ataques de 11 de setembro, a atenção do mundo voltou-se mais uma vez para o Afeganistão.
Escondido no centro-sul da Ásia, com vizinhos desagradáveis como o Irão a oeste e o Paquistão a leste, este país sem litoral, que já serviu de base de operações para a Al-Qaeda e Osama bin Laden, é tão cativante quanto complexo.
E, no entanto, no meio do seu passado turbulento, no qual serviu de ponto estratégico para o Império Britânico, a União Soviética e agora os Estados Unidos, o Afeganistão é há muito o lar de um dos mistérios não resolvidos mais intrigantes da história judaica: o destino de algumas das Dez Tribos Perdidas de Israel.
Periodicamente, nas últimas duas décadas, as manchetes dos jornais levantaram a questão tentadora sobre se as tribos pashtun que constituem a maior parte dos Talibãs são de facto nossos parentes há muito perdidos, descendentes dos israelitas que foram lançados no exílio pelo império assírio há mais de 2.700 anos.
Embora a possibilidade de tal ligação possa parecer fantasiosa para alguns, uma primeira análise das indicações sugere que ela não pode e não deve ser descartada imediatamente.
Os pashtuns, ou pathans, somam dezenas de milhões, a maior parte vivendo no Paquistão, Afeganistão e Índia. São formados por várias centenas de clãs e tribos que preservaram ferozmente a sua cultura no meio de ondas de conquistas e ocupações estrangeiras.
Antes do surgimento do fundamentalismo islâmico na região, muitos dos pashtuns declaravam ser o que eles chamavam de Bani Israel (Filhos de Israel), uma tradição oral que os seus antepassados transmitiram de geração em geração.
Isso foi notado por vários viajantes e historiadores islâmicos, que remontam ao século 13, quando dificilmente havia qualquer vantagem em afirmar uma antiga identidade israelita na Ásia Central. Nos 400 anos seguintes, outros estudiosos e escritores islâmicos notaram a persistência da tradição.
No século XIX, vários ocidentais que visitaram a região convenceram-se de que os pashtuns eram na verdade descendentes dos israelitas.
Na sua obra de 1858, History of the Afghans [História dos Afegãos], Joseph-Pierre Ferrier escreveu que o chefe de uma das principais tribos pashtun, os Yusefzai (Filhos de Joseph), presenteou o xá da Pérsia Nader Shah Afshar «com uma Bíblia escrita em hebraico e vários outros artigos que tinham sido usados no seu culto antigo e que eles preservaram.»
Da mesma forma, o major Henry W. Bellew, que serviu no exército indiano colonial britânico, na sua obra de 1861 The Lost Tribes [As Tribos Perdidas], escreveu sobre os pashtuns que A nomenclatura das suas tribos e distritos, tanto na geografia antiga quanto nos dias atuais, confirma esta tradição natural universal. Por último, temos a rota dos israelitas da Média [o território onde é hoje o Irão] ao Afeganistão e à Índia marcada, por uma série de estações intermédias com os nomes de várias tribos, indicando claramente as etapas da sua longa e árdua jornada.
Mais recentemente, o falecido presidente de Israel Yitzchak Ben-Zvi, no seu estudo de 1957 sobre as comunidades judaicas distantes Os Exilados e os Redimidos, dedicou um capítulo inteiro às «tribos afegãs e às tradições da sua origem».
Baseando-se em pesquisas académicas, bem como em entrevistas que ele próprio fez a vários judeus afegãos que fizeram aliá na década de 1950, Ben-Zvi escreveu: As tribos afegãs, entre as quais os judeus viveram ao longo de gerações, são muçulmanos que conservam até hoje a sua incrível tradição sobre serem descendentes das Dez Tribos. Embora ele observe cautelosamente que as provas na nossa posse são, naturalmente, insuficientes para que se possam tirar delas conclusões práticas, por outro lado afirma, corretamente, que O facto de esta tradição, e nenhuma outra, ter persistido entre essas tribos é em si uma consideração importante.
Os estudiosos dos dias modernos aumentaram muito o nosso conhecimento sobre este assunto. O Dr. Navraz Aafreedi, um académico indiano de Calcutá oriundo da cultura pashtun, escreveu extensa e persuasivamente sobre as evidências de uma ligação israelita, e o Dr. Eyal Be’eri, o principal estudioso israelense sobre os pashtuns, registou vários dos seus costumes e tradições, que são idênticos aos dos judeus.
Isso inclui práticas como a circuncisão no oitavo dia após o nascimento, a abstenção de misturar carne e leite, o acendimento de velas na véspera de Shabat e até mesmo o casamento de levirato.
Outros estudiosos notaram semelhanças entre o antigo código tribal dos pashtun, o pashtunwali e as tradições judaicas.
Embora os dados fornecidos por estudos de ADN apoiem estas afirmações apenas de forma limitada, um artigo de 2017 na revista Mitocondrial DNA descobriu que havia «uma conexão genética de conglomeração judaica na tribo Khattak», um dos clãs pashtun.
E embora os Talibãs tenham feito muito para apagar qualquer vestígio da sua história pré-islâmica, a tradição recusa-se a morrer.
Como observou a antropóloga da Universidade Hebraica, Dra. Shalva Weil, a respeito da ligação dos pashtuns às tribos perdidas de Israel: «Há mais evidências convincentes sobre eles do que sobre quaisquer outros.»
Esta fascinante curiosidade histórica não deve, no entanto, cegar-nos para o facto de que os Taliban são cruelmente anti-Israel e não se conhece nenhum pashtun que tenha mostrado qualquer interesse em retornar às suas raízes judaicas.
Na verdade, como o Dr. Be’eri argumentou, mesmo que os pashtuns estejam biologica e historicamente ligados ao povo de Israel, isso ainda não significa que «de hoje para amanhã eles se convertam ao judaísmo e vivam na Terra de Israel».
A mera menção de «conversões em massa e migração de milhões de pashtuns do Afeganistão e da Índia para o Estado de Israel», escreveu ele, pode prejudicar as perspetivas de construção de maior cooperação e entendimento regional.
Existem, é claro, outras teorias a respeito das origens dos pashtuns, bem como estudiosos que desconsideram ou rejeitam o argumento de uma conexão israelita antiga. Mas, dada a antiga civilização e extensa diáspora dos pashtuns, e o seu papel político e demográfico em várias partes do subcontinente asiático, parece prudente para o povo judeu procurar vias de diálogo com eles, se e onde for viável.
A mera possibilidade de uma identidade histórica partilhada poderia servir de base para um diálogo entre judeus e pashtuns, que poderia levar a um amortecimento da hostilidade e do clima de suspeição, e talvez estabelecer as bases para um relacionamento mais forte no futuro.
Devido à sua teologia fanática, os Talibãs obviamente não podem ser os interlocutores para tais esforços. Mas há muitos outros pashtuns em todo o mundo com os quais devemos procurar construir pontes, quer se acredite ou não que sejam nossos primos há muito perdidos.