Por Michael Freund
O leitor provavelmente nunca ouviu falar de uma cidade chamada Kanczuga no sudeste da Polónia. É um pequeno ponto no mapa, apenas mais um dos incontáveis milhares de aldeias da Europa Oriental onde, ao longo dos séculos, os judeus viveram, trabalharam e sonharam com a redenção.
Eles trabalhavam para ganhar a vida em condições de pobreza inimagináveis para a nossa geração, suportaram antissemitismo e ódio muito além da nossa compreensão, e ainda conseguiram manter uma vida judaica vibrante. Entre eles estavam membros da minha família.
Mas há 80 anos, este mês, tudo isso foi cruelmente destruído.
Depois de os nazis e a polícia polaca prenderem centenas de judeus de Kanczuga, levaram-nos para a sinagoga principal. De lá, os judeus foram levados para os arredores da cidade, onde ficava o cemitério judaico de Siedleczka.
Os alemães alinharam-nos alegremente e atiraram neles, antes de atirarem os corpos para uma vala comum. Os polacos locais comemoraram fazendo um piquenique e torcendo pelos assassinos quando eles abriram fogo.
No meio da vasta carnificina que os alemães e seus cúmplices causaram em todo o continente europeu, seja em campos de extermínio como Auschwitz-Birkenau ou em locais como Babi Yar, é muito fácil esquecer os inúmeros shtetls que foram varridos do mapa e não existem mais.
Fácil, mas inaceitável. De fato, como todos sabemos, o número de sobreviventes do Holocausto diminui a cada ano que passa. Em abril, na véspera do Dia da Memória do Holocausto, o governo publicou dados indicando que existem 161.400 sobreviventes do Holocausto a viver em Israel, com uma média de idades de 85 anos. Só no ano passado morreram no Estado Judaico cerca de 15.553 sobreviventes, mais de 42 por dia.
E, junto com eles, desapareceram pedaços preciosos de história, contos e memórias de trabalho e fé, que pertencem a todos nós.
Se você ou a sua família foram afetados pelo Holocausto, procure os seus parentes e recolha as suas histórias, não apenas sobre como os judeus morreram, mas também sobre como eles viveram. Não podemos permitir que séculos de vida judaica vibrante nos shtetls sejam apagados do nosso repositório coletivo.
É precisamente por essa razão que o meu amigo Jonathan Feldstein e eu estamos a organizar um memorial online para os judeus de Kanczuga na próxima semana, na segunda-feira, 5 de setembro, às 21h, horário de Israel, para relembrar as vítimas e prestar homenagem aos sobreviventes. Dezenas de pessoas de três continentes com laços familiares com Kanczuga já se inscreveram, e esperamos que isso de alguma forma inspire as pessoas a fazer mais para preservar o passado de nosso povo.
Antes do Holocausto, Kanczuga era o lar de 3.000 pessoas, das quais pelo menos 40% eram judeus. Até hoje, o selo oficial de Kanczuga ainda inclui uma Estrela de Davi em seu coração, um lembrete silencioso, mas simbólico, do papel que os judeus desempenharam durante séculos na vida da aldeia.
Há quase 15 anos, visitei Kanczuga para participar de uma cerimónia que marcava a conclusão da restauração do cemitério judaico local. Depois, perambulei pelos terrenos, olhando para as lápides restantes, num silêncio sombrio, lendo os nomes daqueles que morreram antes do início do inferno nazista.
E então, num momento que jamais esquecerei, deparei-me com uma lápide com um nome familiar: Freund.
Atordoado, liguei para o meu pai nos Estados Unidos, apesar de ser muito cedo, e disse-lhe: «Não vai acreditar, mas estou aqui no cemitério perto de Kanczuga, e encontrei uma lápide com o nome Gittel Freund.» Parece que ela foi minha tataravó, um dos muitos membros da família que permaneceram na Polónia.
Se eu não me tivesse envolvido em aprender mais sobre Kanczuga, talvez nunca tivesse sabido o seu nome ou local de sepultamento.
Da mesma forma, há alguns anos, visitei um homem notável chamado Yehuda Ehrlich, que está na casa dos 90 anos e é o último judeu sobrevivente de Kanczuga que vive em Israel. Depois de trocar alguns cumprimentos calorosos, contei-lhe sobre a minha conexão familiar com Kanczuga e perguntei se ele conhecia alguém chamado Freund que tivesse morado na cidade antes do Holocausto.
«Nós não sabemos os seus primeiros nomes ou o que aconteceu com eles, e eu esperava que você pudesse se lembrar de algo sobre eles», disse eu, ansioso por receber uma nova informação e recuperar da escuridão um fragmento do passado.
Incrivelmente, Ehrlich disse que se lembrava de uma família Freund. «Eu tinha apenas 14 anos quando a guerra estourou em 1939, então só me lembro do pai. O nome dele era Aharon, embora ele fosse conhecido pela sua alcunha [apelido] iídiche, Atche, e tinha quase 50 anos», disse-me ele.
Aharon Freund, relatou Ehrlich, estava entre os líderes da comunidade judaica e, perto de Purim, em 1942, o chefe da Gestapo da cidade vizinha de Jaroslaw o convocou, a ele e os outros líderes, para comparecerem lá.
O nazi exigiu que os judeus de Kanczuga produzissem uma quantidade imensa de mercadorias, incluindo uma quantidade impossivelmente grande de fatos [ternos] masculinos, até uma determinada data, ou então enfrentariam graves consequências.
«Todos os outros líderes judeus ficaram em silêncio», disse Ehrlich, «É claro que eles estavam com medo de dizer fosse o que fosse.»
Mas Aharon Freund não.
«Ele foi o único que teve coragem de falar, de dizer ao chefe da Gestapo que o pedido era irracional e que eles não o fariam», disse Ehrlich.
«O que aconteceu então?» perguntei, embora suspeitasse já saber a resposta.
«Ouvi dizer que o oficial da Gestapo ficou furioso. Levantou-se da cadeira, pegou em Atche e levou-o para o porão, onde o matou a tiros na hora», disse Ehrlich, acrescentando: «Não sei o que aconteceu com o resto da sua família, a família Freund.»
Por mais doloroso que tenha sido ouvir essa história, eu estava, no entanto, grato a De’s por uma parte do passado dos meus antepassados ter sido recuperada do esquecimento. E fiquei orgulhoso ao saber que o querido Aharon Freund tinha tão corajosamente tomado uma posição pelos seus companheiros judeus antes de ser assassinado al kidush Hashem, em santificação do nome de De’s.
Não podemos trazer os shtetls e os seus milhões de judeus de volta à vida, mas ainda podemos salvar algo da sua história, algo que lhes devemos, não apenas a eles, mas também aos nossos filhos e netos.
Pois esse é o poder do passado: informar o presente e inspirar o futuro. Portanto, vamos agir agora para recolher essas memórias, antes que seja tarde demais.