Parashá da Semana – Metzorá

Parashá da Semana – Metzorá

1ª aliá (Vayikra 14:1-12) Purificação da Tzarat: Quando o Cohen determinar que a Tzarat da pele diminuiu, o metzora passa por um processo para poder entrar novamente no acampamento, embora não possa entrar no Mikdash durante mais 7 dias. São trazidas duas aves: uma é abatida e a outra é mergulhada no seu sangue, juntamente com madeira de cedro, um fio vermelho e hissopo. O sangue e a água são salpicados no metzora. A ave viva é libertada. O metzora faz a imersão. No 8º dia: No oitavo dia, o seu cabelo é rapado, faz a imersão e traz oferendas. O processo de purificação do metzora tem duas etapas: A primeira etapa é efetuada fora do acampamento ou cidade. Depois de 7 dias, é efetuado um segundo processo no 8º dia, que vai ser descrito na próxima aliá.

O processo de purificação do metzora é único. Tem três elementos inusuais: 1) são levadas duas aves para fora da cidade, sendo uma abatida e a outra libertada. 2) São utilizados hissopo, um fio e madeira, juntamente com a ave, para salpicar o metzora para o purificar. 3) No 8º dia, são colocados sangue e azeite na orelha, no polegar e no dedo grande do pé do metzora.

Cada um destes elementos encontra-se também noutro sítio. Yom Kippur, Para Aduma (o bezerro vermelho) e a consagração dos cohanim.

  1. As duas aves, uma oferecida e a outra libertada – é o Yom Kippur. Duas cabras, uma oferecida e outra libertada no deserto. As cabras são instrumentos de expiação, kapara.
  2. O hissopo utilizado para aspergir a pessoa – é a Para Aduma, a purificação de uma pessoa depois desta ter tido contacto com mortos. A aspersão é o instrumento da purificação, tahara.
  3. A colocação de azeite na orelha, polegar e dedo do pé era o instrumento da consagração dos cohanim, alcançar santidade, kedusha.

A purificação do Metzora é a kapara de Yom Kippur, a tahara de Para Aduma e a kedusha da inauguração dos Cohanim. Kapara, Tahara e Kedusha; expiação, purificação, santidade.

O Metzora é a tuma mais dramática. Ele é enviado para fora do acampamento inteiramente. A sua reentrada no acampamento e depois no Mikdash também é a mais dramática: contém elementos de kapara (expiação) do Yom Kippur, elementos de tahara (pureza) de Para Aduma e elementos de kedusha (santidade) da consagração.

Temos uma noção de tuma que temos vindo a desenvolver. O Mikdash é o encontro do homem com a Shechina. O Divino convida-nos a este encontro. Somos convidados devido à visão de D’us sobre o Homem como nobre, digno. Digno do convite.

A Tuma é o encontro do Homem com situações da vida que ferem o nosso sentido de nobreza e dignidade. Encontros com a nossa mortalidade, a nossa corporalidade material grosseira, a parte da nossa vida que partilhamos com todo o mundo animal. Isso inclui a morte, a doença, a procriação, a alimentação. A nossa nobreza reside na nossa singularidade humana, na nossa comunicação, na nossa natureza social.

A dignidade e nobreza do Metzora é ferida pela natureza pública das lesões ou descolorações na sua pele. O seu caráter de nobreza é ainda mais prejudicado pela necessidade de isolamento, pela perda de interação social. Um duplo golpe na sua dignidade: a vergonha das suas manchas visíveis na pele e a sua necessidade de se isolar socialmente.

Para recuperar a sua dignidade, ele precisa de kapara e tahara, dois processos de renovação, de limpeza divina. A Kapara e a Tahara são sinais Divinos para nós do favor Divino. O amor Divino pelo Homem expressa-se na Sua vontade de se aproximar de nós, de nos perdoar, de limpar o passado. A Kapara e a Tahara são o encorajamento ao Homem por parte de D’us.

2ª aliá (14:13-20) É trazida a oferenda: o seu sangue é colocado na orelha direita, polegar e dedo grande do pé do Metzora. O azeite é salpicado na frente da cortina e colocado na orelha direita, polegar, dedo grande do pé e cabeça do Metzora. Com estes elementos, o Cohen forneceu kapara para o Metzora e ele torna-se tahor.

A inusitada colocação de sangue e azeite na orelha, polegar e dedo do pé são elementos emprestados da inauguração dos Cohanim, a entrada em Kedusha. O Metzora está a ser equiparado ou pelo menos associado à santidade dos Cohanim. Ao fazê-lo, afirma-se que todos nós somos dotados de santidade, que o nosso propósito é elevado. O Metzora emerge do seu elaborado processo de tahara tendo afirmado novamente a posição digna e elevada do Homem, amado pelo seu Criador, dotado de kedusha. Neste estado recém-afirmado, ele pode encontrar-se novamente no Mikdash, como o ser digno que foi convidado pela Shechina.

3ª aliá (14:21-32) A alternativa menos dispendiosa: Se uma pessoa não puder pagar as oferendas que são trazidas no 8º dia, é oferecida uma alternativa menos dispendiosa, incluindo aves em vez de uma das oferendas animais. Faz-se então o processo descrito acima para obter kapara e tahara para o metzora.

4ª aliá (14:33-53) Na terra de Israel, as casas também estarão sujeitas a Tzarat. Os Cohen examinarão as marcas. Se for declarado que é Tzarat, tudo o que está em casa torna-se tamei, portanto, tudo tem que ser removido antes da declaração do Cohen. Se as marcas se espalharem nos 7 dias seguintes, o Cohen ordenará que algumas pedras sejam retiradas e substituídas. Se a propagação persistir, o Cohen pode ordenar a demolição da casa. Se o Cohen declarar a casa tahor, tomam-se 2 aves, uma é abatida e a outra é mergulhada no seu sangue com madeira de cedro, um fio carmesim e hissopo. Liberta-se a ave.

Uma pessoa pode se tornar tamei por estar numa casa com Tzarat. Temos argumentado que a entrada no Mikdash exige que uma pessoa reconheça a sua nobre posição na vida. Mas a vida pode prejudicar a nossa nobreza, fazendo com que a subestimemos. Mas também podemos ter nascido «em berço de ouro», o que pode empolar demasiado a nossa autopercepção. Somos nobres, mas não em virtude do que temos e sim em virtude do que somos. As nossas casas podem ser a fonte não de dignidade diminuída, mas de arrogância.

Nós, que vivemos nesta geração, sabemos muito bem como a enorme abundância em que vivemos nestes nossos tempos pode distorcer a qualidade da nossa autoperceção. A dignidade do Homem não reside na grandiosidade da sua casa, mas na grandiosidade da sua pessoa. Aparece uma erupção na casa se esta tiver causado uma inflamação na autoestima do dono, transformando essa autoestima em arrogância.

5ª aliá (14:54-15:15) Um Zav: um homem que tem uma descarga incomum do seu órgão de procriação. Ele torna os outros tamei e requer um processo de purificação de 2 oferendas de aves no final de 7 dias.

6ª aliá (15:16-28) Uma descarga sexual normal de um homem causa um nível baixo de tuma.

Nida: O sangramento menstrual regular de uma mulher torna-a temeya durante 7 dias, transferindo a sua tuma para outros, incluindo através do toque. Zava: Uma mulher que tem um sangramento fora do seu período regular é uma Zava, uma Tuma semelhante ao Zav masculino. Ela conta 7 dias antes de se tornar tahor.

A procriação também pode levar a uma autoimagem inflacionada: a Criação não é apenas Sua, também é nossa. Ele dá vida; também nós damos vida. A autoimagem saudável da nossa dignidade e majestade pode ser danificada pela nossa fisicalidade em ambas as direções: diminuída ou aumentada. Uma visão demasiado baixa (que não passamos de animais), ou demasiado alta, vendo-nos como criadores, deixando menos espaço para o Criador.

Talvez estas leis, relacionadas a anomalias nos órgãos de procriação, estejam relacionadas à possibilidade ou talvez à tendência dos seres humanos de terem visões empoladas de si mesmos como criadores, no lugar dO Criador.

7ª aliá (15:29-33) As oferendas são trazidas após a cessação desse sangramento incomum.

As leis de tuma e tahara não fazem parte do nosso mundo. As leis são complexas. A vida nos tempos do Mikdash, o mundo de tuma e tahara, seria irreconhecível para nós. Estaríamos perdidos nesse mundo, sem saber o que fazer. Temos vestígios – a lavagem das mãos antes do pão. E a lavagem das mãos no seder, antes do karpas. O seder é talvez o único momento em que realmente colocamos o pé no mundo de tuma e tahara, só um pouquinho, para nos transportar, mesmo que por um momento, para o mundo do Mikdash, o mundo de tuma e tahara.

Parashat Metzorá

Parashat Metzorá

Retirado do livro Ideas de Vaikra, dos rabinos Isaak Sakkal e Natan Menashe.

Metzorá (A Lepra?)

Como é sabido, os sábios de Israel relacionam a doença bíblica de Tzaraat (mal traduzida por lepra) com o falar mal: o Lashon Hará (falar mal do seu próximo), Rechilut (fofoquice), falar desenvergonhadamente, etc.

Rambam explica-o assim: a doença de Tzaraat refere-se a vários temas. Alguns tinham a ver com a pele do ser humano que se tornava branca, outras vezes tinha a ver com a queda do pêlo, fosse no couro cabeludo ou na barba. Os efeitos causados pela infeção nas roupas ou nas casas, onde apareciam manchas de cor, recebiam o mesmo nome.

Estas manchas ou mudanças, fossem no corpo do ser humano ou no seu cabelo, no seu vestuário ou na sua casa, não eram uma doença natural ou conhecida nos nossos dias, mas sim algo milagroso, cujo objetivo era advertir o povo para não cair em falatórios e para controlar a sua fala, pois esta pode destruir um indivíduo.

É por isso que quando uma pessoa falava mal de outra, as paredes da sua casa mudavam de cor, infetando-se com umas manchas. Se o indivíduo se arrependesse, então a casa voltava ao normal. Senão, os utensílios de couro da casa também se infetavam e apareciam manchas. Se, apesar disto, a pessoa continuasse na sua maldade, então o seu próprio vestuário começava a ganhar manchas de Tzaraat. Se se arrependesse, então tudo voltava ao normal. Senão, era a sua própria pele que mudava de cor e desta maneira o indivíduo ficava infetado de Tzaraat. Nesse caso era separado do povo até ao ponto de não poder conversar com ninguém, e tinha que ficar só.

Aquele que causasse que as pessoas se afastassem do seu próximo com os seus falatórios, era agora quem ficava afastado dos outros. Tal como fez aos demais, agora acontecer-lhe-á o mesmo.

Isto é o que De’s enfatiza quando nos diz que recordemos o que De’s fez a Miriam quando ela falou de mais acerca do seu irmão Moshé. Apesar de Miriam ser vários anos mais velha que Moshé, e de ter sido ela que salvou Moshé das mãos dos Egípcios que o iam matar, e apesar de não ter falado mal de Moshé, mas sim de apenas ter considerado Moshé no mesmo nível dos outros profetas, e apesar de Moshé não ter ficado incomodado por isso, De’s castigou Miriam com Tzaraat. A conclusão à que deveríamos chegar é a de que se isto aconteceu com Miriam, quanto mais cuidado temos que ter nós de não falar mal do nosso próximo.

Por tanto, é apropriado que quem quiser andar nos caminhos de De’s se afaste daquelas pessoas que nas suas reuniões falam mal dos outros ou criticam os seus semelhantes, para que deste modo não fique preso nas malhas destes falatórios e seja passível de castigo. Porque as pessoas vulgares costumam começar por falar de assuntos sem importância e logo passam a falar mal das pessoas justas e boas, e deste modo costumam criticar todo o mundo, inclusive os profetas, põem em causa a palavra destes mensageiros de De’s, e acabarão por falar mal de De’s e por renegar Dele.

No entanto a maneira de falar de uma pessoa justa e piedosa é abundante em palavras de Torá e sabedoria, com cuidado de não agredir ou magoar os outros.

Isto é o que Rambam escreve sobre este assunto no seu cometário a Pirkei Avot:

            Capítulo 1 Mishná 16

            Shimón seu filho diz: Todos os meus dias me eduquei entre os sábios e não encontrei       nada melhor para o corpo do que o silêncio. O principal não é o estudo, mas sim a ação            [ou seja, levar o estudo à prática quotidiana], e todo aquele que se excede em palavras,        carrega para si uma transgressão.

“Todo aquele que se excede em palavras, carrega para si uma transgressão.”

Afirmou o sábio [rei Salomão]: Da multidão de palavras, não se ausenta a transgressão. O motivo disto é devido a que quando a pessoa acrescenta comentários, certamente cairá em transgressão, pois é impossível que nos seus acrescentos não haja algo que não seja apropriado dizer [e que estava a mais]. A melhor prova de que alguém é sábio é que fala pouco, e o melhor indício de que alguém é insensato é falar em demasia [Refere-se a que se for possível dizer algo que possa ser perfeitamente compreensível utilizando duas ou três palavras, não deve fazer um grande discurso para dizer a mesma coisa], como está dito: A voz do insensato [vem acompanhada] da multidão de palavras e já disseram os sábios “Ser breve é a característica dos sábios” e foi dito no livro Hamidot: Um dos sábios mantinha-se bastante calado, porque não falava nem uma palavra que não fosse digna de ser dita, por tanto falava bastante pouco. E foi questionado: Qual é a causa dos teus assíduos silêncios? E respondeu: Analisei todos os diálogos e encontrei que se dividem em quatro categorias:

A primeira é completamente nociva, sem proveito algum, tal como as maldições das pessoas ou palavrões e coisas desse estilo, que quem as diz comete uma grande estupidez.

A segunda tem um prejuízo por um lado e um benefício por outro, como sejam os elogios às pessoas. Por um lado o elogiado [e os que escutam] aprendem o que é bom fazer, mas, por outro lado, esse elogio é algo que vai encolerizar o inimigo daquele indivíduo, e tentará prejudicá-lo. Por esse motivo, é preferível abster-se deste tipo de diálogos.

A terceira são aquelas coisas que não têm nenhum proveito nem nenhum dano, como é o caso da maioria dos diálogos das pessoas comuns, [como por exemplo] como foi construída tal parede, ou como foi construído o portão, o descrever a beleza da casa de fulano, ou a quantidade de torres de tal cidade, e coisas desse estilo. Apesar de todas estas coisas estarem dentro da categoria das coisas permitidas [de falar], isso não quer dizer que tenham algum proveito.

A quarta categoria contém aqueles diálogos cujo conteúdo é útil na sua totalidade, como as conversas sobre temas de sabedoria, de boas qualidades, ou das necessidades básicas do ser humano, como as necessárias para nos mantermos com vida e preservarmos [a nossa saúde]. Sobre estes assuntos é sim permitido falar.

Cada vez que escuto [ou participo de uma conversa], analiso-a. Se corresponderem à quarta categoria então converso, mas se pertence a alguma das outras três categorias, então fico calado.

Disseram os sábios de musar [ética]: este homem é digno de imitar.

E eu digo que a fala, de acordo com a Torá, se divide em cinco géneros: 1) Os que são um preceito, 2) Os que fomos advertidos [para não falar], 3) Desprezíveis, 4) Desejados e 5) Permitidos.

Na primeira categoria, os que são um preceito, incluem-se a leitura da Torá e o seu estudo, que é um preceito específico, como foi dito “E falarás delas” (Deut. 6:7), até ao ponto que [a sua importância] foi equiparada à de todos os preceitos [em conjunto].

A segunda categoria, as coisas que nos estão vedadas de falar, como o falso testemunho, a mentira, falatórios, maldições, palavrões e maledicências, tal como a Torá nos adverte em vários versículos.

A terceira classe refere-se às [conversas] desprezíveis, que não têm nenhum proveito para a alma do Homem, nem bom, nem mau. Como a maioria das coisas que as pessoas contam acerca do que aconteceu, ou quais eram os costumes de tal rei no seu palácio, ou qual foi o motivo da morte de fulano, ou como enriqueceu sicrano. Este tipo de diálogos foram chamados pelos sábios “Conversas vãs” e os piedosos esforçam-se por evitar este tipo de conversa. Conta-se acerca de Rab, aluno de Rabi Chiá, que nunca teve conversas vãs na sua vida. A esta categoria também pertencem aquelas conversas onde algum valor importante é desprezado, ou alguma baixa qualidade, seja moral ou racional, é enaltecida.

A quarta categoria pertence aos diálogos desejados, quer dizer, quando se fala acerca da importância [e elogio] de alguma boa qualidade, tanto das racionais como das morais, ou, pelo contrário, denegrir as más qualidades dos dois tipos [tanto as racionais como as morais]. Incentivar o espírito na direção das [coisas] elevadas, seja através de relatos e cantos, ou igualmente evitar, através desses mesmos meios, a baixeza. Do mesmo modo, elogiar as pessoas importantes e exaltar as suas boas qualidades, para serem imitados pelas demais pessoas. Igualmente menosprezar [a atitude de] os malvados, para que as suas ações sejam desprezadas aos olhos das pessoas e se afastem deles e não queiram imitá-los.

A quinta categoria, as conversas permitidas, refere-se às coisas que são lícitas falar para o seu comércio e manutenção, alimentos e bebidas, vestuário e demais coisas necessárias para a sua subsistência, tudo isto é permitido.

No entanto, esta categoria não é nem desejada nem desprezada. Se desejar pode falar sobre estes assuntos o quanto quiser, ou, se assim preferir, pode não falar nada destes assuntos.

Nesta categoria [enquadram-se] as pessoas que são elogiadas por fugir a este tipo de conversa. Os sábios do Musar já advertiram de não ter este tipo de conversa em abundância, mas quanto às conversas que se enquadram na categoria das vedadas (a segunda categoria), ou das desprezíveis (a terceira categoria), não é necessária advertência alguma, onde se impõe guardar um absoluto silêncio. [E não falar de coisas que estão proibidas]. Ao contrário, os diálogos cujo tema são preceitos (a primeira categoria), ou os desejados (a quarta categoria), se a pessoa pudesse falar deles todo o dia, seria o ideal.

No entanto há que ter cuidado com duas coisas: a primeira, que os seus atos sejam coerentes com as suas palavras, tal como disseram: “Belas são as palavras que saem da boca de quem as pratica.”, a isto se referiram ao dizer: “Não é a prédica o essencial, mas sim a prática.” e os sábios elogiavam quem lhes ensinava as boas qualidades dizendo: “Prega, pois tu és digno de pregar.” e disse o rei David: “Regozijai-vos no Eterno, ó justos. O elogio é belo para os justos.” (Sal. 23:1)

A segunda é ser breve, quer dizer, que se esforce em poder dizer muitas coisas com poucas palavras e não ao contrário. Isto é o que disseram os sábios: “Constantemente deve o mestre ensinar aos seus alunos o caminho sintético”.

É preciso que saibas que as canções, qualquer que seja a língua, devem ser selecionadas de acordo com a classificação de categorias que mencionamos no que diz respeito às conversas. Esclareço este ponto apesar de ser evidente, pois tenho visto anciãos e pessoas piedosas, pessoas de [muita] Torá, que, nos festejos, como nos casamentos ou parecidos, quando se quer entoar uma canção, [em honra dos homenageados] se as canções forem em qualquer língua [sem ser em hebraico], apesar do tema da canção ser a valentia ou a generosidade, e nesse caso se enquadrar na quarta categoria (dos desejados), ou [se o tema da canção for] acerca das virtudes do vinho, são [do mesmo modo] recusadas terminantemente. Mas se a canção for em hebraico, são aceites independentemente do conteúdo da canção, apesar de se tratar de coisas enquadradas na segunda categoria, do que nos está vedado, ou na terceira categoria, das desprezíveis. [Sem dúvida agir assim, ou seja, aceitar ou rejeitar as canções segundo a língua, independentemente do seu conteúdo] é um total disparate, porque não é a língua [o que as qualifica ou desqualifica], mas sim o conteúdo, pois se o seu conteúdo é bom, então deve dizê-lo, em qualquer língua que seja, e se a intenção da canção for algo desprezível, independentemente da língua, não deve entoá-la.

Mais um esclarecimento tenho para acrescentar acerca deste ponto, e é que, se houver duas canções, cujo tema em ambas seja aumentar a paixão e enaltecê-la, e se se agradará muito [às pessoas com esta canção], apesar de ser uma baixeza que se insere na categoria dos diálogos desprezíveis, pois inculca e incentiva uma baixa qualidade, tal como mencionei no quarto capítulo da introdução ao Pirkei Avot; se uma dessas duas canções é noutra língua qualquer e a outra em hebraico, ouvi-la em hebraico é uma afronta mais grave para a Torá, devido ao carácter exemplar do idioma hebraico, o qual não é digno utilizar senão para coisas elevadas. [A coisa] é pior, se acrescentarem versículos da Torá ou do Cântico dos Cânticos para esse tipo de canções, em cujo caso, já sai do grupo dos diálogos desprezíveis para se qualificar na categoria dos diálogos vedados. Pois a Torá proíbe que se faça com as profecias qualquer tipo de cantos [ou “slogans”] baixos para coisas desprezíveis.

Como já mencionei que o assunto da maledicência [Lashon Hará] entra dentro da categoria das conversas vedadas, vi oportuno esclarecer este tema, e recordar algumas coisas das que foram ditas a esse respeito. Pois o ser humano ignora que se trata da transgressão mais grave entre o Homem e o seu próximo, que se comete frequentemente. Ainda para mais tendo em conta o que disseram os sábios, que nenhuma pessoa está limpa do pó [quer dizer, não da calúnia em si mas de algo que ainda não chega a ser calúnia, mas está muito perto de o ser] da maledicência  (Avak Lashon Hará), e quem me dera que se pudesse salvar da maledicência em si.

A maledicência [Lashon Hará] é quando se relatam os erros ou defeitos de um indivíduo, ou desprezar a qualquer judeu, através de qualquer tipo de humilhação, apesar de na verdade o humilhado realmente ter esse defeito que foi relatado. Pois a maledicência não se trata de dizer sobre uma pessoa coisas que não sejam verdade, pois [quando não é verdade] isto denomina-se calúnia, [Motzí shem rá al chaveró –  tirar mau nome ao seu companheiro] mas a maledicência é humilhar um indivíduo, mesmo que com coisas que são verdade. Tanto quem diz [a maledicência] como quem ouve, estão a cometer uma transgressão. Disseram os sábios: “São três os que a maledicência mata: quem diz, quem escuta e aquele de quem se diz [o defeito].” Mais ainda disseram: “Quem escuta a maledicência peca mais do que quem a diz.”

O pó da maledicência é [por exemplo] falar dos defeitos de uma pessoa sem os especificar. Assim disse o rei Salomão, com respeito a este assunto: às vezes a pessoa transmite aos outros sem reparar algum defeito de um companheiro, sendo outra a sua intenção: “Como um louco que lança tochas acesas, setas e morte, assim é o homem que engana o próximo e diz: ‘Mas não o fiz eu na brincadeira?’ (Prov. 26:18-19) [Existe um relato no qual] um dos alunos de Rabí enalteceu em público um livro que o próprio autor lhe mostrou. E admoestou Rabí a ação de enaltecer em público o autor desse livro dizendo-lhe: “Afasta-te da maledicência.” O que lhe quis dizer [Rabí ao seu aluno, foi] tu provocas um dano [ao autor] ao elogiá-lo em público, pois entre os assistentes certamente se encontram pessoas que gostam [desse autor] e pessoas que o detestam, e então, aqueles que o criticam, ao ouvir os teus elogios, deverão sublinhar também os defeitos e os erros [desse autor]. Isto é o ponto ideal de afastamento da maledicência.

E o que a Mishná expressa: “A sentença sobre os nossos antepassados não foi selada senão pela [transgressão] da maledicência. Quer dizer, no acontecimento dos espiões que Moisés enviou para espiar a Terra de Israel, sobre os que foi dito: “E trouxeram as humilhações da terra” (Num. 13:32), disseram os sábios “Se os que não disseram calúnias, senão somente contra as árvores e contra as pedras, foram submetidos a semelhante castigo, aquele que fala dos defeitos do seu próximo, quanto mais grave será [o castigo]!” E assim se expressou a Toseftá [conjunto de dizeres dos sábios da época da Mishná, que não foram compilados na Mishná, mas sim na Toseftá – que literalmente quer dizer “acrescentados”]. Três coisas o Homem tem que pagar neste mundo e não tem parte no mundo vindouro: Idolatria, relações sexuais proibidas e assassinato, e a [gravidade da] maledicência [equipara-se] aos três juntos.” e disseram no Talmud: “Quando fizeram idolatria [o bezerro de ouro], foi utilizado o adjetivo ‘grande’, tal como diz: ‘Cometeu este povo um pecado grande’ (Ex. 32:31) e sobre as relações sexuais proibidas também foi utilizado o adjetivo ‘grande’, como disse [José]: ‘Como farei um mal tão grande?’ (Gen. 39:9) e no que diz respeito ao assassinato, também foi utilizado o adjetivo ‘grande’, como disse [Caim]: ‘Grande é a minha dor para poder carregá-la’ (Gen. 4:13). Mas quanto à maledicência, utilizou-se a palavra ‘grandes’ [no plural], querendo dizer que é equiparável às três juntas, é o que diz: ‘Uma língua que fala coisas grandes’ (Sal. 12:4). Muito falaram os sábios acerca do pecado da maledicência, e o mais grave que disseram sobre este tema: “Todo aquele que conta maledicências, renega dos princípios básicos do judaísmo, como está escrito: ‘A nossa língua faremos poderosa, nossos lábios estão connosco, quem é senhor sobre nós?’ (Sal. 12:5)

Apesar de me ter estendido bastante, referi-te apenas uma parte de tudo o que disseram no que diz respeito a este pecado; para que a pessoa se afaste com todas as suas forças, e tente permanecer em silêncio, refiro-me a esta terceira categoria de diálogos [Os desprezíveis].