Retirado do livro Ideas
de Vaikra, dos rabinos Isaak Sakkal e Natan Menashe.
Metzorá (A Lepra?)
Como é sabido, os sábios
de Israel relacionam a doença bíblica de Tzaraat (mal traduzida por lepra) com
o falar mal: o Lashon Hará (falar mal do seu próximo), Rechilut (fofoquice),
falar desenvergonhadamente, etc.
Rambam explica-o assim: a
doença de Tzaraat refere-se a vários temas. Alguns tinham a ver com a pele do
ser humano que se tornava branca, outras vezes tinha a ver com a queda do pêlo, fosse no couro
cabeludo ou na barba. Os efeitos causados pela infeção nas roupas ou nas casas,
onde apareciam manchas de cor, recebiam o mesmo nome.
Estas manchas ou
mudanças, fossem no corpo do ser humano ou no seu cabelo, no seu vestuário ou
na sua casa, não eram uma doença natural ou conhecida nos nossos dias, mas sim
algo milagroso, cujo objetivo era advertir o povo para não cair em falatórios e
para controlar a sua fala, pois esta pode destruir um indivíduo.
É por isso que quando uma
pessoa falava mal de outra, as paredes da sua casa mudavam de cor, infetando-se
com umas manchas. Se o indivíduo se arrependesse, então a casa voltava ao
normal. Senão, os utensílios de couro da casa também se infetavam e apareciam
manchas. Se, apesar disto, a pessoa continuasse na sua maldade, então o seu
próprio vestuário começava a ganhar manchas de Tzaraat. Se se arrependesse,
então tudo voltava ao normal. Senão, era a sua própria pele que mudava de cor e
desta maneira o indivíduo ficava infetado de Tzaraat. Nesse caso era separado
do povo até ao ponto de não poder conversar com ninguém, e tinha que ficar só.
Aquele que causasse que
as pessoas se afastassem do seu próximo com os seus falatórios, era agora quem
ficava afastado dos outros. Tal como fez aos demais, agora acontecer-lhe-á o
mesmo.
Isto é o que De’s
enfatiza quando nos diz que recordemos o que De’s fez a Miriam quando ela falou
de mais acerca do seu irmão Moshé. Apesar de Miriam ser vários anos mais velha
que Moshé, e de ter sido ela que salvou Moshé das mãos dos Egípcios que o iam
matar, e apesar de não ter falado mal de Moshé, mas sim de apenas ter
considerado Moshé no mesmo nível dos outros profetas, e apesar de Moshé não ter
ficado incomodado por isso, De’s castigou Miriam com Tzaraat. A conclusão à que
deveríamos chegar é a de que se isto aconteceu com Miriam, quanto mais cuidado
temos que ter nós de não falar mal do nosso próximo.
Por tanto, é apropriado
que quem quiser andar nos caminhos de De’s se afaste daquelas pessoas que nas
suas reuniões falam mal dos outros ou criticam os seus semelhantes, para que
deste modo não fique preso nas malhas destes falatórios e seja passível de
castigo. Porque as pessoas vulgares costumam começar por falar de assuntos sem
importância e logo passam a falar mal das pessoas justas e boas, e deste modo
costumam criticar todo o mundo, inclusive os profetas, põem em causa a palavra
destes mensageiros de De’s, e acabarão por falar mal de De’s e por renegar
Dele.
No entanto a maneira de
falar de uma pessoa justa e piedosa é abundante em palavras de Torá e
sabedoria, com cuidado de não agredir ou magoar os outros.
Isto é o que Rambam
escreve sobre este assunto no seu cometário a Pirkei Avot:
Capítulo 1 Mishná 16
Shimón
seu filho diz: Todos os meus dias me eduquei entre os sábios e não encontrei nada melhor para o corpo do que o
silêncio. O principal não é o estudo, mas sim a ação [ou seja, levar o estudo à prática quotidiana], e todo
aquele que se excede em palavras, carrega
para si uma transgressão.
“Todo aquele que se
excede em palavras, carrega para si uma transgressão.”
Afirmou o sábio [rei
Salomão]: Da multidão de palavras, não se ausenta a transgressão. O
motivo disto é devido a que quando a pessoa acrescenta comentários, certamente
cairá em transgressão, pois é impossível que nos seus acrescentos não haja algo
que não seja apropriado dizer [e que estava a mais]. A melhor prova de que
alguém é sábio é que fala pouco, e o melhor indício de que alguém é insensato é
falar em demasia [Refere-se a que se for possível dizer algo que possa ser
perfeitamente compreensível utilizando duas ou três palavras, não deve fazer um
grande discurso para dizer a mesma coisa], como está dito: A voz do
insensato [vem acompanhada] da multidão de palavras e já disseram os
sábios “Ser breve é a característica dos sábios” e foi dito no livro Hamidot: Um
dos sábios mantinha-se bastante calado, porque não falava nem uma palavra que
não fosse digna de ser dita, por tanto falava bastante pouco. E foi
questionado: Qual é a causa dos teus assíduos silêncios? E respondeu: Analisei
todos os diálogos e encontrei que se dividem em quatro categorias:
A primeira é completamente nociva,
sem proveito algum, tal como as maldições das pessoas ou palavrões e coisas
desse estilo, que quem as diz comete uma grande estupidez.
A segunda tem um prejuízo por um
lado e um benefício por outro, como sejam os elogios às pessoas. Por um lado o
elogiado [e os que escutam] aprendem o que é bom fazer, mas, por outro lado, esse
elogio é algo que vai encolerizar o inimigo daquele indivíduo, e tentará
prejudicá-lo. Por esse motivo, é preferível abster-se deste tipo de diálogos.
A terceira são aquelas coisas que
não têm nenhum proveito nem nenhum dano, como é o caso da maioria dos diálogos
das pessoas comuns, [como por exemplo] como foi construída tal parede, ou
como foi construído o portão, o descrever a beleza da casa de fulano, ou a
quantidade de torres de tal cidade, e coisas desse estilo. Apesar de todas
estas coisas estarem dentro da categoria das coisas permitidas [de falar], isso
não quer dizer que tenham algum proveito.
A quarta categoria contém aqueles
diálogos cujo conteúdo é útil na sua totalidade, como as conversas sobre temas
de sabedoria, de boas qualidades, ou das necessidades básicas do ser humano,
como as necessárias para nos mantermos com vida e preservarmos [a nossa saúde]. Sobre
estes assuntos é sim permitido falar.
Cada vez que escuto [ou participo de uma
conversa], analiso-a. Se corresponderem à quarta categoria então converso,
mas se pertence a alguma das outras três categorias, então fico calado.
Disseram os sábios de
musar [ética]: este homem é digno de imitar.
E eu digo que a fala, de
acordo com a Torá, se divide em cinco géneros: 1) Os que são um preceito, 2) Os
que fomos advertidos [para não falar], 3) Desprezíveis, 4) Desejados e 5)
Permitidos.
Na primeira categoria, os
que são um preceito, incluem-se a leitura da Torá e o seu estudo, que é um
preceito específico, como foi dito “E falarás delas” (Deut. 6:7), até ao ponto
que [a
sua importância] foi equiparada à de todos os preceitos [em conjunto].
A segunda categoria, as
coisas que nos estão vedadas de falar, como o falso testemunho, a mentira,
falatórios, maldições, palavrões e maledicências, tal como a Torá nos adverte
em vários versículos.
A terceira classe
refere-se às [conversas] desprezíveis, que não têm nenhum proveito para a alma do
Homem, nem bom, nem mau. Como a maioria das coisas que as pessoas contam acerca
do que aconteceu, ou quais eram os costumes de tal rei no seu palácio, ou qual
foi o motivo da morte de fulano, ou como enriqueceu sicrano. Este tipo de
diálogos foram chamados pelos sábios “Conversas vãs” e os piedosos esforçam-se
por evitar este tipo de conversa. Conta-se acerca de Rab, aluno de Rabi Chiá,
que nunca teve conversas vãs na sua vida. A esta categoria também pertencem
aquelas conversas onde algum valor importante é desprezado, ou alguma baixa
qualidade, seja moral ou racional, é enaltecida.
A quarta categoria
pertence aos diálogos desejados, quer dizer, quando se fala acerca da
importância [e elogio] de alguma boa qualidade, tanto das racionais como das morais,
ou, pelo contrário, denegrir as más qualidades dos dois tipos [tanto as
racionais como as morais]. Incentivar o espírito na direção das [coisas] elevadas, seja através de relatos e cantos, ou igualmente evitar, através
desses mesmos meios, a baixeza. Do mesmo modo, elogiar as pessoas importantes e
exaltar as suas boas qualidades, para serem imitados pelas demais pessoas.
Igualmente menosprezar [a atitude de] os malvados, para que as suas
ações sejam desprezadas aos olhos das pessoas e se afastem deles e não queiram
imitá-los.
A quinta categoria, as
conversas permitidas, refere-se às coisas que são lícitas falar para o seu comércio
e manutenção, alimentos e bebidas, vestuário e demais coisas necessárias para a
sua subsistência, tudo isto é permitido.
No entanto, esta
categoria não é nem desejada nem desprezada. Se desejar pode falar sobre estes
assuntos o quanto quiser, ou, se assim preferir, pode não falar nada destes
assuntos.
Nesta categoria [enquadram-se] as
pessoas que são elogiadas por fugir a este tipo de conversa. Os sábios do Musar
já advertiram de não ter este tipo de conversa em abundância, mas quanto às
conversas que se enquadram na categoria das vedadas (a segunda categoria), ou
das desprezíveis (a terceira categoria), não é necessária advertência alguma,
onde se impõe guardar um absoluto silêncio. [E não falar de coisas que
estão proibidas]. Ao contrário, os diálogos cujo tema são preceitos (a
primeira categoria), ou os desejados (a quarta categoria), se a pessoa pudesse
falar deles todo o dia, seria o ideal.
No entanto há que ter
cuidado com duas coisas: a primeira, que os seus atos sejam coerentes com as suas
palavras, tal como disseram: “Belas são as palavras que saem da boca de quem as
pratica.”, a isto se referiram ao dizer: “Não é a prédica o essencial, mas sim
a prática.” e os sábios elogiavam quem lhes ensinava as boas qualidades
dizendo: “Prega, pois tu és digno de pregar.” e disse o rei David:
“Regozijai-vos no Eterno, ó justos. O elogio é belo para os justos.” (Sal.
23:1)
A segunda é ser breve,
quer dizer, que se esforce em poder dizer muitas coisas com poucas palavras e
não ao contrário. Isto é o que disseram os sábios: “Constantemente deve o
mestre ensinar aos seus alunos o caminho sintético”.
É preciso que saibas que
as canções, qualquer que seja a língua, devem ser selecionadas de acordo com a classificação de categorias que
mencionamos no que diz respeito às conversas. Esclareço este ponto apesar de
ser evidente, pois tenho visto anciãos e pessoas piedosas, pessoas de [muita] Torá, que, nos
festejos, como nos casamentos ou parecidos, quando se quer entoar uma canção, [em
honra dos homenageados] se as canções forem em qualquer língua [sem ser
em hebraico], apesar do tema da canção ser a valentia ou a generosidade, e
nesse caso se enquadrar na quarta categoria (dos desejados), ou [se o tema
da canção for] acerca das virtudes do vinho, são [do mesmo modo] recusadas
terminantemente. Mas se a canção for em hebraico, são aceites independentemente
do conteúdo da canção, apesar de se tratar de coisas enquadradas na segunda
categoria, do que nos está vedado, ou na terceira categoria, das desprezíveis. [Sem
dúvida agir assim, ou seja, aceitar ou rejeitar as canções segundo a língua,
independentemente do seu conteúdo] é um total disparate, porque não é a
língua [o que as qualifica ou desqualifica], mas sim o conteúdo, pois se
o seu conteúdo é bom, então deve dizê-lo, em qualquer língua que seja, e se a
intenção da canção for algo desprezível, independentemente da língua, não deve
entoá-la.
Mais um esclarecimento
tenho para acrescentar acerca deste ponto, e é que, se houver duas canções,
cujo tema em ambas seja aumentar a paixão e enaltecê-la, e se se agradará muito [às
pessoas com esta canção], apesar de ser uma baixeza que se insere na
categoria dos diálogos desprezíveis, pois inculca e incentiva uma baixa
qualidade, tal como mencionei no quarto capítulo da introdução ao Pirkei Avot;
se uma dessas duas canções é noutra língua qualquer e a outra em hebraico,
ouvi-la em hebraico é uma afronta mais grave para a Torá, devido ao carácter
exemplar do idioma hebraico, o qual não é digno utilizar senão para coisas elevadas. [A coisa] é pior, se acrescentarem versículos da Torá ou do Cântico dos
Cânticos para esse tipo de canções, em cujo caso, já sai do grupo dos diálogos
desprezíveis para se qualificar na categoria dos diálogos vedados. Pois a Torá
proíbe que se faça com as profecias qualquer tipo de cantos [ou “slogans”] baixos
para coisas desprezíveis.
Como já mencionei que o
assunto da maledicência [Lashon Hará] entra dentro da categoria das conversas
vedadas, vi oportuno esclarecer este tema, e recordar algumas coisas das que
foram ditas a esse respeito. Pois o ser humano ignora que se trata da
transgressão mais grave entre o Homem e o seu próximo, que se comete
frequentemente. Ainda para mais tendo em conta o que disseram os sábios, que
nenhuma pessoa está limpa do pó [quer dizer, não da calúnia em si mas de
algo que ainda não chega a ser calúnia, mas está muito perto de o ser] da
maledicência (Avak Lashon Hará), e quem
me dera que se pudesse salvar da maledicência em si.
A maledicência [Lashon Hará] é quando
se relatam os erros ou defeitos de um indivíduo, ou desprezar a qualquer judeu,
através de qualquer tipo de humilhação, apesar de na verdade o humilhado
realmente ter esse defeito que foi relatado. Pois a maledicência não se trata
de dizer sobre uma pessoa coisas que não sejam verdade, pois [quando não é
verdade] isto denomina-se calúnia, [Motzí shem rá al chaveró – tirar mau nome ao seu companheiro] mas a
maledicência é humilhar um indivíduo, mesmo que com coisas que são verdade.
Tanto quem diz [a maledicência] como quem ouve, estão a cometer uma
transgressão. Disseram os sábios: “São três os que a maledicência mata: quem
diz, quem escuta e aquele de quem se diz [o defeito].” Mais ainda
disseram: “Quem escuta a maledicência peca mais do que quem a diz.”
O pó da maledicência é [por exemplo] falar
dos defeitos de uma pessoa sem os especificar. Assim disse o rei Salomão, com
respeito a este assunto: às vezes a pessoa transmite aos outros sem reparar
algum defeito de um companheiro, sendo outra a sua intenção: “Como um louco que
lança tochas acesas, setas e morte, assim é o homem que engana o próximo e diz:
‘Mas não o fiz eu na brincadeira?’ (Prov. 26:18-19) [Existe um relato no
qual] um dos alunos de Rabí enalteceu em público um livro que o próprio autor
lhe mostrou. E admoestou Rabí a ação de enaltecer em público o autor desse
livro dizendo-lhe: “Afasta-te da maledicência.” O que lhe quis dizer [Rabí
ao seu aluno, foi] tu provocas um dano [ao autor] ao elogiá-lo em
público, pois entre os assistentes certamente se encontram pessoas que gostam [desse
autor] e pessoas que o detestam, e então, aqueles que o criticam, ao ouvir
os teus elogios, deverão sublinhar também os defeitos e os erros [desse
autor]. Isto é o ponto ideal de afastamento da maledicência.
E o que a Mishná
expressa: “A sentença sobre os nossos antepassados não foi selada senão pela [transgressão] da
maledicência. Quer dizer, no acontecimento dos espiões que Moisés enviou para
espiar a Terra de Israel, sobre os que foi dito: “E trouxeram as humilhações da
terra” (Num. 13:32), disseram os sábios “Se os que não disseram calúnias, senão
somente contra as árvores e contra as pedras, foram submetidos a semelhante
castigo, aquele que fala dos defeitos do seu próximo, quanto mais grave será [o
castigo]!” E assim se expressou a Toseftá [conjunto de dizeres
dos sábios da época da Mishná, que não foram compilados na Mishná, mas sim na
Toseftá – que literalmente quer dizer “acrescentados”]. Três coisas o Homem
tem que pagar neste mundo e não tem parte no mundo vindouro: Idolatria,
relações sexuais proibidas e assassinato, e a [gravidade da] maledicência [equipara-se] aos três juntos.” e disseram no Talmud: “Quando fizeram
idolatria [o bezerro de ouro], foi utilizado o adjetivo ‘grande’, tal
como diz: ‘Cometeu este povo um pecado grande’ (Ex. 32:31) e sobre as relações
sexuais proibidas também foi utilizado o adjetivo ‘grande’, como disse [José]: ‘Como farei um mal tão grande?’ (Gen. 39:9) e no que diz respeito ao
assassinato, também foi utilizado o adjetivo ‘grande’, como disse [Caim]: ‘Grande é a minha dor para poder carregá-la’ (Gen. 4:13). Mas quanto à
maledicência, utilizou-se a palavra ‘grandes’ [no plural], querendo
dizer que é equiparável às três juntas, é o que diz: ‘Uma língua que fala
coisas grandes’ (Sal. 12:4). Muito falaram os sábios acerca do pecado da
maledicência, e o mais grave que disseram sobre este tema: “Todo aquele que
conta maledicências, renega dos princípios básicos do judaísmo, como está
escrito: ‘A nossa língua faremos poderosa, nossos lábios estão connosco, quem é
senhor sobre nós?’ (Sal. 12:5)
Apesar de me ter
estendido bastante, referi-te apenas uma parte de tudo o que disseram no que
diz respeito a este pecado; para que a pessoa se afaste com todas as suas
forças, e tente permanecer em silêncio, refiro-me a esta terceira categoria de
diálogos [Os desprezíveis].