Mariusz Robert Opałko, segurando um pergaminho da Torá, e Michael Freund, no Muro das Lamentações, em Jerusalém, Israel, dia 9 de junho de 2013. A mãe de Opałko disse-lhe que era judia durante os seus últimos momentos de vida. (Cortesia de Shavei Israel)
De CNAAN LIPHSHIZ
(JTA) – Em poucos meses, Simone Azoubel
vai realizar o sonho de se mudar para Israel com o marido.
Azoubel, judia de 56 anos, do Recife, no
norte do Brasil, está a estudar vocabulário hebraico enquanto se prepara para a
sua aliá, a palavra hebraica para designar a imigração de judeus a
Israel.
Os preparativos são agitados, mas Azoubel
encontra tempo para refletir sobre quanto da sua identidade e trajetória de vida
deve à sua avó – designadamente, a revelação feita pela idosa no seu leito de
morte sobre a sua ascendência judaica após décadas de indiferença e
perseguição.
– A minha avó materna, Raquel, disse-me
que queria ser enterrada com o seu povo, em vez de com o seu marido não-judeu,
e que não queria flores na lápide – disse Azoubel, recordando o diálogo de
1999.
O incomum pedido colocou Simone, educada
no cristianismo, no caminho de se conectar com o judaísmo, e levou-a, junto com
vários outros membros da família, a tornar-se membro da comunidade judaica do
Recife.
Esse abraçar do judaísmo no seu leito de
morte por parte de Raquel, descendente de judeus sefarditas que tinham fugido
da Inquisição Espanhola para a Turquia e depois se mudaram para o Brasil, não é
único. E eventos como esse influenciaram o que significa ser judeu para
inúmeras pessoas em lugares onde a identificação como judeu era perigosa.
O rabino-chefe holandês Binyomin Jacobs,
educador e conselheiro de saúde mental, disse que falou com vários
sobreviventes do Holocausto que revelaram as suas origens judaicas à medida que
se aproximavam dos seus últimos dias de vida.
Para alguns daqueles que estão no seu
leito de morte, a necessidade de se reunir ao judaísmo é interna, impulsionada
pelo seu próprio sentido de pertença.
– Aproximando-se da morte, a pessoa
concentra-se no que é realmente importante para ela, que geralmente é a sua
identidade – disse Jacobs. – [E enquanto
morrer é] assustador para muitas
pessoas, ao mesmo tempo, é também uma libertação de outros medos, de coisas que
já não a podem magoar – acrescentou.
Um sobrevivente holandês do Holocausto que
faleceu em 2014 acrescentou «Cohen» ao seu sobrenome pouco antes de morrer. –
Foi uma bomba para a sua esposa e filhos não-judeus – disse Jacobs. Esse
sobrevivente contou a Jacobs que manteve a sua identidade judaica escondida
durante anos para os proteger.
Para outras pessoas que fazem confissões
no seu leito de morte sobre o facto de serem judias, a motivação está enraizada
no desejo de se aliviarem do fardo de carregar um segredo, ou consiste no
desejo de orientar os seus descendentes na direção do retorno ao judaísmo.
Mariusz Robert Opałko, um advogado de 70
anos de Cracóvia, Polónia, também é Cohen, um descendente da casta sacerdotal,
embora tenha descoberto isso há apenas 20 anos. Em 1999, no hospital, poucos
dias antes da morte, a sua mãe Halina disse-lhe que ela e o pai de Mariusz eram
ambos sobreviventes do Holocausto, cujas famílias tinham sido quase
exterminadas. Halina revelou a Mariusz que o seu pai era Cohen e que o seu
verdadeiro sobrenome é Lederman.
Numa entrevista ao o jornal israelita Makor
Rishon, Mariusz Opałko recordou as suas palavras: – Eu sou judia e tu
também. Se quiseres ser judeu, sê judeu. E senão, não. Ser judeu na Polónia é
muito difícil. –
Halina tinha dito ao seu irmão, também
sobrevivente, para contar a verdade a Mariusz se ela morresse antes de
conseguir fazê-lo.
A descoberta teve um efeito tão profundo
em Mariusz que ele começou a praticar o judaísmo. Em 2013, a Shavei Israel,
organização baseada em Jerusalém dedicada a ajudar judeus como Mariusz a
regressar ao judaísmo, organizou um bar mitzvah atrasado para Mariusz em
Jerusalém, no Muro Ocidental.
– Primeiro pediu-me para eu me sentar,
depois disse-me quem eu sou – recordou
ele, secando as lágrimas de emoção, numa entrevista em vídeo para a Shavei
Israel depois da cerimónia. Mariusz participou de um curso sobre judaísmo
organizado pela Shavei Israel.
O que resta dos judeus polacos pode estar
prosperando hoje, mas os judeus da Polónia sofreram perseguição mesmo após o
Holocausto, sob o regime comunista. O pai de Mariusz foi demitido do seu
emprego em 1956, talvez porque era conhecido por ser judeu.
Somente depois da confissão de Halina, é
que Mariusz (que adotou o nome judaico de Moshe) começou a reunir várias peças
da história da sua família.
Lembrou-se de que, quando era criança,
dois tios visitavam a sua casa todos os anos em dezembro e falavam alemão com
os seus pais durante um jantar à luz de velas. Apenas em retrospetiva percebeu
que as visitas eram celebrações secretas de Hanukkah e que a língua falada era
Ídiche.
Mas o que a mãe de Mariusz lhe disse
depois foi uma descoberta ainda mais surpreendente: A sua esposa, Maria, também
era judia e também desconhecia as suas origens. Maria, que faleceu em 2003,
confirmou isso com a sua própria família imediatamente após Mariusz lhe ter
contado sobre a revelação da sua mãe. Mariusz e Maria tiveram um filho, Radek,
que foi circuncidado quando tinha 25 anos, após a descoberta de ser judeu.
– Estou muito emocionado, – disse Mariusz Opałko na sua cerimónia de bar
mitzvah, que também foi a sua primeira visita a Israel – porque, durante toda a
vida, os meus pais tiveram medo de me dizer quem eram. –
– Quando a revelação é feita perto da
morte, muitas vezes é porque o revelador não quer ser o último elemento de
ligação com o judaísmo. – Disse Michael Freund, fundador da Shavei Israel. – As
últimas palavras podem servir como uma espécie de última vontade e testamento,
e podem causar mudanças profundas nas vidas dos descendentes dos falecidos. –
Explicou. A sua organização tem trabalhado com dezenas de pessoas, a maioria
delas na Europa Oriental, que souberam do seu judaísmo através de um pai ou avô
no seu leito de morte.
Ainda assim, Freund viu inúmeros casos em
que apenas alguns dos descendentes são afetados de qualquer maneira discernível
pelas revelações no leito de morte, enquanto os seus irmãos permanecem
indiferentes.
Para Freund, isto sublinha como a
revelação no leito de morte é, para os descendentes, apenas o começo de uma
jornada cuja trajetória depende de circunstâncias individuais – incluindo como
outros judeus reagem à descoberta.
– Mesmo após o Holocausto e décadas de
repressão comunista, a centelha judaica recusa-se a morrer – disse Freund. – Partilhar essas descobertas e
revelar-se para o mundo pode ser intimidante, num momento em que o
antissemitismo está em ascensão. O nosso trabalho é estender a mão e ajudar.