Descendentes criptojudaicos estão em contacto, mas ainda há obstáculos

Descendentes criptojudaicos estão em contacto, mas ainda há obstáculos

Por: Sasha Rogelberg

“Shabbat Shalom a Todos” escreveu um membro do grupo do Facebook Sephardic and Crypto-Jewish Research para um público de mais de 400 membros, muitos dos quais vivem no norte do México ou no sudoeste dos Estados Unidos. 

O post aparece por cima de acima de uma consulta para encontrar um livro sobre guardas da marinha espanhola publicado em 1954 em Madrid e por baixo de uma imagem antiga de um manual escolar mostrando uma mulher a ser levada perante a  Inquisição na Cidade do México.

O conteúdo dos posts do grupo é variado, mas todos dizem respeito ao criptojudaísmo, a prática secreta do judaísmo pelos judeus sefarditas em Espanha e suas colónias durante e depois da Inquisição.

Numa época em que os católicos continuam a ser a grande maioria nos países de língua espanhola e na Península Ibérica, os judeus desses países permanecem estigmatizados, embora a Inquisição tenha terminado há séculos. É por isso que esses grupos do Facebook são preciosos para tantas pessoas que estão agora mesmo a descobrir as suas origens sefarditas depois das mesmas lhes terem sido ocultas durante gerações.

Ronit Treatman, da Filadélfia, (na foto) é membro de mais de 25 desses grupos, incluindo Sephardic and Crypto-Jewish Research.

Em 2012, Treatman descobriu a sua própria história através de testes de ADN: Uma descoberta surpresa indicou que alguns membros da família se tinham mudado de Espanha para a Polónia.

“Isso mostrava que parte deles foi forçada a converter-se e teve que ir para o Brasil”, disse Treatman.

“A descoberta de origens judaicas, particularmente de ascendência criptojudaica, tornou-se mais comum agora, com os  testes de DNA mais acessíveis”, disse Treatman. Empresas como a Family Tree DNA podem pesquisar mais especificamente as as raízes sefarditas.

Treatman descreve-se como “o outro lado do espelho”. Enquanto tantos outros membros dos grupos foram educados como católicos e estão agora a tentar aprender mais sobre as suas raízes judaicas, Treatman sempre soube que era judia (o seu pai foi diplomata israelita). 

Ao longo de quase uma década a conhecer pessoas nesses grupos, Treatman tem conseguido ajudar dezenas de pessoas a encontrar textos, recursos e membros da comunidade, e tem reunido descendentes criptojudaicos de volta ao judaísmo.

Os judeus da Filadélfia estão habituados a ajudar descendentes de criptojudeus, também chamados de Conversos, Bnei Anusim ou Marranos,  a palavra espanhola que quer dizer “porco” e que, na opinião de Treatman, é uma terminologia inadequada para o grupo.

A Congregação Mikveh Israel, a sinagoga mais antiga da Filadélfia, foi fundada por judeus espanhóis e portugueses através de uma sinagoga sefardita em Amsterdão.

Na década de 1920, foi a primeira sinagoga sefardita a responder aos pedidos do Comité Português de Marranos, “para que sejam aplicados fundos no retorno ao judaísmo de mais de 14.000 marranos que vivem em Portugal, como cristãos em público e como judeus secretamente, há mais de quatro séculos”, escreveu o líder religioso de Mikveh Israel Leon H. Elmalah numa carta de 31 de outubro de 1926.

O apelo foi feito em parceria com a Comunidade Sefardita de Londres, a Associação Anglo-Judaica e a Aliança Israelita, explicou a carta. A doação feita pela Mikveh Israel seria o equivalente a USD $ 50.000 de hoje, disse o rabino da Mikveh Israel, Albert Gabbai.

“Como somos uma sinagoga espanhola e portuguesa, e traçamos a nossa ascendência até aos judeus que escaparam — porque somos uma congregação que segue essa tradição iniciada por esses judeus, foi natural para nós ajudá-los”, disse Gabbai.

Gabbai visitou a comunidade judaica portuguesa, que agora tem entre 50 e 100 membros, em 2017, décadas depois dela ter recebido uma educação judaica por parte de rabinos israelitas enviados para ensinar os feriados judaicos.

A viagem foi animadora, disse Gabbai, pois conseguiu ver o que a ajuda da Mikveh Israel 90 anos antes  foi capaz de fazer. Mas ainda há na zona preconceitos em torno dos judeus, disse ele.

Na viagem, Gabbai viu um turista numa igreja — erguida no lugar de uma antiga sinagoga — que perguntou o que tinha acontecido com os judeus que deixaram a sinagoga.

“O guia disse: ‘Nós convidámo-los a deixar o país’”, conta Gabbai.

O estigma contínuo reafirma o trabalho de Treatman, disse ela. Também impulsionou o trabalho de um amigo de Treatman, que ela conheceu num evento criptojudaico no Facebook: Keith Chávez, natural de Albuquerque, Novo México, que descobriu que era judeu aos 13 anos.

“A minha bisavó estava a morrer. Ficou acamada por um longo período de tempo antes de falecer, e queria falar comigo, com o meu irmão e com o meu primo”, disse Chávez. “Então convocou-nos juntos e disse: ‘Somos Sefarditos.’ Somos Sefarditos.”

Em retrospetiva, a origem judaica de Chávez fazia sentido para ele, apesar de, durante a infância, ter  frequentado com o pai uma igreja católica. Enquanto a maioria das mulheres católicas do Novo México varria a casa empurrando o lixo para fora da porta, a sua bisavó usava uma pá, já que varrer para fora da porta violava as leis da mezuzá (embora a família nunca tivesse tido mezuzot nas ombreiras das suas portas). Ela insistia em obter e preparar a carne para as refeições do fim de semana de uma maneira que se assemelhava à lei kosher.

A história de Chávez assemelha-se à de muitos outros descendentes de criptojudeus, mas ele ainda se considera diferente. 

Muitas outras pessoas com origens criptojudaicas negaram firmemente as suas origens familiares, dando preferência à sua educação católica. Se quiserem aprender mais sobre judaísmo, poderão enfrentar obstáculos por parte de alguns líderes judeus que não consideram os descendentes de criptojudeus como sendo judeus válidos sem passarem por uma conversão.

Agora professor adjunto de história e antropologia na Universidade do Novo México, Chávez tem ensinado sobre a presença de descendentes de criptojudeus no sudoeste dos EUA e a sua própria Inquisição, que só terminou no século XIX.

Como Treatman, Chávez é administrador de vários  grupos criptojudaicos no Facebook. O Facebook ajudou a mudar a situação dos descendentes de criptojudeus que procuram conectar-se, disse Chávez, embora essas conexões permaneçam menores do que ele queria.

A certa altura, ele ajudou uma mulher finlandesa, que tinha acabado de descobrir a sua ascendência judaica, a conectar-se com um rabino em Helsínquia. Depois o rabino acabou por ajudá-la a fazer o processo de conversão.

“Senti-me muito bem,” disse Chávez. “Porque ela voltou para casa.”

Pode ler Aqui o artigo original em inglês.

Opinião: Deixem de comparar a perseguição política no Brasil com a Inquisição!

Por Dov Z.

 

“INQUISIÇÃO?”marquise_de_brinvilliers

Me parece que o termo que tem sido utilizado no Brasil por alguns intelectuais, formadores de opinião e políticos para comparar a “perseguição política” que tem acontecido no Brasil, não tem sido feliz e chegou o momento de criticar isso.

Quero deixar claro que NÃO SE TRATA DE POLÍTICA, NEM DE LADOS E NEM DE PARTIDOS. Se trata de uma estratégia que tem se tornado cada vez mais comum para que, aqueles que se sentem ameaçados, exagerem suas posições de vítimas para tentar atrair a opinião pública.

No caso, o termo “inquisição” tem aparecido muito nos noticiários brasileiros em relação as investigações da Lava-Jato e não se referindo a sua verdadeira conotação histórica, da qual, pelo contrário, não se fala sobre isso. Este tabu histórico foi sempre mantido a distância no Brasil, por se tratar de um tradicional país cristão.

Mas agora o termo está nas manchetes. E as vítimas da Inquisição merecem que a justiça seja feita e que aqueles que se dizem vítimas desta “inquisição” moderna, agradeçam a D’us por não estar vivendo esta realidade.

A verdadeira “Inquisição” começou, oficialmente em 1478, com o Papa Sisto IV, como resultado de perseguições aos judeus que já vinham ocorrendo por mais de 100 anos pela Europa. No século anterior comunidades judaicas, especialmente da Espanha, como Toledo, Sevilla, Córdoba e Barcelona, foram cruelmente profanadas e os judeus, assassinados. Calcula-se que cerca de 50.000 judeus foram assassinados nestes ataques e outras dezenas de milhares, forçados a abandonar a fé de seus pais e as práticas diárias, para adotar uma religião da qual não acreditavam, vendo-se obrigados a mudar seus hábitos e costumes.

A “ironia” foi que depois de forçar todos os judeus a escolherem entre a cruz ou a espada (o cristianismo ou a morte), a Igreja, decidiu que a conversão dos judeus não havia sido “suficientemente” boa e o Papa Sisto IV, sob incentivo dos reis Fernando e Isabel, criou os “Tribunais da Inquisição” que, basicamente, julgavam a “sinceridade” das conversões feitas pelos judeus. Ou seja, não somente aqueles que fizeram a “triste” escolha de permanecerem vivos, eram obrigados a se converter, estes eram obrigados a querer se converter (!).

Em 1483, os tribunais da Inquisição começaram a se tornar ainda mais violentos e prender e queimar cada vez mais “cristãos-novos”, acusados de praticar o judaísmo escondido.

Em 1492, Fernando e Isabel se decepcionaram com o fato de que muitos judeus estavam preferindo viver e se converter do que morrer, e decidiram oficialmente, expulsar todos os judeus da Espanha, e obviamente, roubar todas suas propriedades.

Como funcionava a Inquisição?

Basicamente, o acusado era torturado até “confessar” que praticava escondido o judaísmo. Tendo confessado, eram queimados em fogueiras em praças públicas, a não ser que aceitassem beijar a cruz, se o fizessem, eram enforcados.

Este cenário sanguinário seguiu acontecendo até 1834 (ou pelo menos, permitido), quando a Inquisição foi finalmente abolida (não durou nem cem anos para os judeus “descansarem” na Europa e Hitler já havia subido no poder). E não somente na Europa (Espanha, Portugal e Itália – principalmente), mas também no México, Peru, Colômbia, e outros países da América Central e do Sul assim como, também, no Brasil, aonde o último “herege” foi queimado já no século 19.

Hoje, calcula-se de 5-10 milhões de brasileiros que podem ser descendentes destes judeus que foram forçados a se converter. Dentre estes, está uma pequena parte que arriscou suas vidas tentando cuidar, pelo menos de algumas tradições judaicas, tendo hoje que enfrentar um difícil dilema ao descobrir suas raízes judaicas. Mas, por outro lado, tiveram seu judaísmo arrancado a força e agora, batalham para poderem, novamente, conquistarem seus espaços nas comunidades judaicas que se fecharam, ainda mais, como resultado deste mesmo antissemitismo.

Deste modo, quando uma perseguição política no Brasil, force suas “vítimas” a abondarem suas fés e tradições milenares, obrigando-os a acreditar em um só caminho verdadeiro, deixando como opção a morte, que de um jeito ou de outro, já é rotina de suas vidas, então não condenarei a comparação com Inquisição, embora sugeriria um novo nome, para não misturar episódios históricos.

Deste modo, convocamos a todos os envolvidos a deixarem de banalizar a crueldade que até hoje tem suas raízes em mais de milhões de pessoas mundo afora e parem de comparar as investigações contra corrupção no Brasil com a Inquisição!