Ki tov – Viu que era bom – Retirado do livro Ideas de Bereshit, dos rabinos Isaac Sakkal e Natan Menashe
O primeiro que notamos é que o Bem é algo básico; é por isso que aparece desde o começo da Torá.
Rambam, no Guia dos Perplexos, terceira parte, capítulo 10, defende que tov quer dizer que existe, que é estável. O existir é algo bom. O contrário é o Mal, aquilo que destrói. Portanto, toda a existência material depende de De’s, e é Ele que faz com que tudo seja, portanto, é algo bom. Isto implica que nós, a quem foi ordenado andar nos Seus caminhos, também devemos fazer com que o mundo permaneça, que seja estável. Por outras palavras, devemos fazer o Bem.
No que diz respeito ao segundo dia, onde não diz: «E Viu De’s que era bom», isto é assim porque ainda não se tinha visto o benefício claro desta divisão das águas. Só no terceiro dia, quando aparece a terra que vai ser o prelúdio da vida vegetal, é que se vê o benefício, e então diz: «E Viu De’s que era bom».
Rashi acrescenta que, para que algo seja bom, deve ser completo. Se estiver pela metade não é bom. É por isso que esta frase vai ser dita somente no terceiro dia, que é quando fica concluída a tarefa com as águas.
O midrash diz-nos que o verdadeiro Bem é o homem justo. Quer dizer, o mundo por si mesmo não é algo bom nem mau, mas sim apenas um meio ao dispor do ser humano: se for bem utilizado, então, será bom.
É por isso que, quando homem foi criado, não foi dito «E Viu que era bom – ki tov –», pois é o ser humano que tem o livre arbítrio para fazer o Bem ou o Mal, portanto, ainda não se pode dizer se vai ser bom ou mau.
Esta é a causa pela qual é consagrado o dia de Shabat, que é quando acaba a criação física, e este é abençoado exatamente para nos demonstrar que o mundo material não é o principal e essencial mas sim só um meio, e que o mundo espiritual é o verdadeiro Bem, que é precisamente o que o Shabat nos traz.
No que diz respeito ao Mal, uma primeira resposta é que o Mal, ao princípio, não existia; ele aparece depois de o Homem comer da árvore da qual lhe tinha sido proibido comer; só quando Adão desobedece é que aparece o Mal. Se não tivesse desobedecido, não teria havido Mal. Tudo teria sido Bem. É o Homem quem faz o Mal.
Os sábios no midrash são mais ousados e defendem que quando diz tov meod – «muito bom» –, refere-se à morte. Assim diz Rabi Meir, pois a morte dá repouso aos justos e serve de advertência aos malvados. Que quer dizer «dá repouso aos justos»? Quer dizer que, durante toda a vida, o justo luta sem parar contra o mau impulso, contra as tentações e os desejos. Quando chega a morte, pode finalmente descansar de todo esse assédio e ameaça constante e pode desfrutar eternamente da presença divina. No que diz respeito aos malvados, é como uma advertência para não fazerem o mal, pois chegará o dia da sua morte e vão ter que prestar contas de tudo o que fizeram.
Rambam diz que todas as coisas naturais que nos parecem más, na realidade são acontecimentos naturais que são bons para a manutenção do mundo. A morte é uma consequência da matéria, pois somos feitos de matéria e a matéria destrói-se, e isso mantém o ciclo da vida. A morte dá lugar à nova geração. Assim se mantém o sistema, as gerações sucedem-se, e assim o mundo funciona.
Mesmo as limitações, sejam económicas ou outras, também são positivas, pois ajudam-nos a mantermo-nos no objetivo e a não nos desviarmos. Quando uma pessoa possui demasiado, o mais provável é que se desvie da meta para ir em busca do seu próprio prazer, pois dispõe dos meios para se poder permitir ter tempo livre para passear etc. Mergulha no mundo do prazer e esquece-se do verdadeiro objetivo.
Outro midrash diz: Tov refere-se ao mundo vindouro (recompensa) e tov meod refere-se ao Gueinom (castigo). O que isto significa é que é bom que exista a justiça, que o homem que se comporta corretamente merece ser recompensado e que aquele que não, levará um castigo. Quer dizer, a Torá não pensa como o cristianismo, que diz que não se deve castigar o culpado, mas sim que deve haver justiça e deve receber aquilo que justamente merecer.
Vejamos por exemplo, o sono. Poderíamos pensar que o sono é algo mau: faz-nos perder um terço do nosso dia, e, por conseguinte, um terço da nossa vida. No entanto, é bom, porque demonstra ao Homem que ele é limitado, que não pode tudo, que não tem um poder absoluto; não lhe é possível estar mais de dois dias sem dormir. Não pode ter tudo sob controlo o tempo todo.
O fantástico disto é que todas as coisas que consideraríamos más, os sábios consideram boas.
No que diz respeito ao mau instinto, como entra isto num mundo de Bem?
Diz Rabi Shimon que se não fosse pelo mau impulso, o Homem não construiria casas, não casaria, não procriaria, nem trabalharia. Quer dizer que o mau impulso pode ser usado para bem e pode retirar-se dele algo construtivo. Se não fosse pelas paixões físicas, então os animais e os seres humanos não se reproduziriam. Quer dizer: graças a isso é que o mundo se constrói e renova. Isto é sempre quando seja usado para o bem, senão seria muito destrutivo.
Por conseguinte, o mau instinto não é algo mau por si só. É o Homem que o pode utilizar para bem ou para mal. De’s não criou o mau instinto; De’s criou o instinto e o impulso, mas é o homem que o pode utilizar para fazer coisas corretas ou incorretas.
O Mal vem por causa da ausência de sabedoria, por causa da ignorância. Tal como o cego, que não pode ver e por isso tropeça e magoa-se, assim é aquela pessoa que não tem sabedoria. É como um cego que anda pela vida e tropeça e magoa-se ou magoa outros. É por isso que, nos dias messiânicos, quando toda a terra estiver cheia do conhecimento de De’s e de sabedoria, então as guerras já não existirão mais. A ausência do conhecimento – é o homem que não o quis adquirir – é que causa o Mal, não foi De’s quem criou o Mal. Tal como uma pessoa que compra um móvel para montar: O produto vem com instruções, mas a pessoa decide montá-lo sem as ler e o móvel fica mal montado. A culpa não é do fabricante, mas sim do cliente que não quis ler as instruções e agir de acordo com as mesmas.
De’s cria um mundo bom, estável e que se mantém. Tudo no seu conjunto é bom. Talvez se analisarmos um aspeto isolado do todo pode parecer-nos que é mau, mas quando o vemos a interagir no conjunto da Criação, vemos que é bom. Tal como uma peça preta de um quebra-cabeças com uma imagem de umas ilhas iluminadas pelo sol: Se olharmos para essa peça preta isoladamente, podemos pensar que é um erro, mas ao vê-la no seu lugar exato, vemos que se trata da sombra de uma palmeira, e ela então encaixa perfeitamente. O ser humano tem a capacidade e o dever de utilizar tudo isto para o Bem.