Por: Rav Reuven Tradburks
As amadas histórias sobre a vida de Avraham encontram-se na nossa Parsha. Avraham acolhe os anjos que vieram contar-lhe sobre a futura gravidez de Sara. De’s conta a Avraham sobre a destruição iminente de Sodoma; Avraham pede por eles. A cidade de Sodoma é destruída, Lot é salvo. As nações de Moav e Amon nascem de Lot e das suas filhas. Avraham acampa em Gerar. Sarah dá à luz a Yitzchak. Hagar e Yishmael são mandados embora. Avraham faz um pacto com Avimelech. A parashá acaba com a história dramática da Akeidat Yitzchak, a quase morte de Yitzchak às mãos de Avraham.
1a Aliá (18:1-14). De’s aparece a Avraham. Três homens são calorosamente recebidos por Avraham com uma hospitalidade extraordinária. Anunciam-lhe que pela mesma altura do ano seguinte Sara terá um filho. Sara ouve isto da tenda e ri-se, pois a sua capacidade de ter filhos já é coisa do passado. De’s refuta: Há algo que seja demasiado para De’s? – Nesta altura do próximo ano terás tido um filho.
Esta história é um precioso olhar para dentro do lar de Avraham e Sara. Todos participam na boa ação: Avraham, Sara, os jovens ajudantes. E a palavra «corre» ou «depressa» aparece quatro vezes em seis versículos. É uma receção enérgica, com entusiasmo. A pronta hospitalidade de Avraham tornam-se o paradigma de chesed para o povo judeu.
Sara ri-se da notícia de que vai ter um filho. É repreendida por isso. Mas Avraham riu-se da mesma notícia no final da parsha da semana passada, e não foi repreendido. Rashi comenta: O riso vem em 2 formas. Simcha, riso feliz. E escárnio. Avraham riu: «Olha só, eu com 99 anos e ela com 90 – vamos ter um filho!» Sarah escarneceu: «O quê? Eu aos 90 e ele aos 99? Não me parece.»
Sara não deixa de ter razão. É realista. Avraham, sonhador. A história judaica vai precisar dos sonhadores e dos realistas. Os Avot tendem a ser sonhadores; as Imahot, as mulheres, realistas.
2ª Aliá (18:15-33). Os homens partem para Sodoma. De’s convence-Se de que não pode ocultar de Avraham, o exemplo da justiça, o seu plano para destruir Sodoma. Avraham desafia-O: Como pode destruir os justos junto com os maus? E como pode destruir o lugar se há pessoas justas presentes? Avraham insiste no seu ponto de vista.
A generosidade de Avraham continua, embora aqui seja expressa de maneira bem diferente. Ele recusa-se a permitir a destruição de Sodoma sem contestação. E o seu argumento muda. O primeiro argumento é: porquê o mesmo destino para justos e ímpios? Se destruíres a cidade, então o mesmo destino aguarda os justos e os perversos. Um D’us justo não puniria os bons. Mas depois ele muda. Não castigues apenas os ímpios, poupando os justos; salva a cidade toda, ímpios e justos. Avraham está a implorar pela vida dos ímpios.
Avraham tem grande generosidade de espírito. O Juiz de todos pode julgar os ímpios; o meu papel é ser generoso. Anteriormente, ele tinha resgatado Lot e todo o povo de Sodoma que tinha sido levado cativo nas guerras dos 4 Reis e 5 Reis; esse mesmo povo que também já tinha sido descrito como perverso. Mais adiante, na nossa parashá, ele fica descontente com Sarah por ela querer mandar Yishmael embora, apesar de o seu comportamento não ser do agrado de Sarah. Isto também é a sua generosidade de espírito.
Seríamos verdadeiros aprendizes de Avraham se deixássemos o julgamento dos nossos semelhantes para Ele e, em vez disso, fôssemos generosos.
3ª Aliá (10:1-20). Os homens viajam até Sodoma. Lot insiste com eles para ficarem com ele. Os homens da cidade opõem-se à presença destes forasteiros. Tornam-se violentos. Os visitantes dizem a Lot que Sodoma deve ser destruída e que deve partir rapidamente. Os seus genros recusam-se. O dia amanhece e Lot, a mulher e as filhas deixam Sodoma, tendo recebido a ordem de não olharem para trás.
Lot é o familiar mais próximo de Avraham. Parece seguir os passos de Avraham. Dá as boas-vindas aos estranhos, dá-lhes um lugar em sua casa, serve-lhes comida. Uma história paralela à bondade de Avraham. Mas a lição não reside nas semelhanças, e sim nas diferenças. Lot está a viver em Sodoma. E isso faz toda a diferença.
Esta história é o início do tema que vai dominar o resto do livro de Génesis: Quem, da família de Avraham, está dentro? E quem está fora? A família de Avraham herdará o pacto do povo judeu– Mas quem, na sua família? No fim de contas, o parente mais próximo de Avraham é Lot. Com o nascimento iminente de Yitzchak, a questão de saber quem herdará a terra de Israel torna-se urgente. Será toda a comitiva de Avraham? Lot, Yishmael, Yitzchak? Será que a generosidade do espírito de Avraham se estende à promessa da Terra – quererá ele incluir a sua família alargada?
Bem, podemos ver uma pessoa que não vai fazer parte da história judaica: Lot. Lot fica excluído dessa possibilidade devido à sua associação a Sodoma.
4a Aliá (19:21-21:4) Lot recebe a ordem de fugir de Sodoma. As cidades de Sodoma e Gomorra (Amorra em hebraico) estão destruídas. A mulher de Lot olha para trás e transforma-se numa coluna de sal. Avraham olha desde as colinas e vê a destruição. Lot foge para as colinas. As duas filhas de Lot embriagam-no com vinho e engravidam dele, pensando que são as únicas pessoas que restam no mundo. Chamam aos seus filhos Moav e Amon. Avraham vai a Gerar, Avimelech recebe a ordem de De’s de não tocar em Sara. Avimelech confronta Avraham sobre o porquê de lhe ter ocultado a identidade de Sara. Avraham responde: Eu vi que não há aqui temor a De’s. De’s cumpre o que prometeu a Sara. Sara dá à luz Yitzchak. Avraham circuncida-o como De’s mandou.
Há muita «visão»: Lot não deve olhar para trás, enquanto Avraham está a olhar para a planície. As filhas vêem-se como Noé e a família – os únicos sobreviventes. Avraham vê que não há temor a De’s
Lot não viu, nem levou a sério o facto de viver entre os pecadores. O que Lot não viu à sua volta, Avraham percebeu imediatamente em Gerar; não há aqui temor a De’s.
A história com as filhas de Lot é uma ironia amarga, como Rav Hershel Schachter gosta de salientar: Elas pensaram mesmo que, de todas as pessoas do mundo, elas eram as mais justas para serem salvas? Não há mais ninguém no mundo a não ser eles? A sério? E Avraham? Como se sentiram no dia seguinte quando desceram a rua e viram tudo cheio de pessoas?
5a Aliá (21:5-21). Yitzchak cresce e é desmamado. Sara vê Yishmael a brincar com Yitzchak. Ela diz a Avraham para expulsar este rapaz, pois ele não herdará juntamente com Yitzchak. Isto incomoda Avraham, mas De’s diz-lhe para ouvir Sara. Avraham acorda cedo, manda embora Hagar e Yishmael. Eles vão para o deserto de Beersheva. A água acaba. Hagar não suporta ver a morte do seu filho, e chora. Um anjo chama-a. Os seus olhos são abertos, vê um poço e dá água a Yishmael.
A próxima geração do povo judeu já nasceu. Quem fará parte do pacto? Lot está de fora, mas ele não é filho de Avraham; é sobrinho. Sara diz a Avraham que Yishmael, embora filho de Avraham, não é a próxima geração do povo judeu. A expulsão de Yishmael é uma história paralela à Akeida que estamos prestes a ler. Em ambas as histórias Avraham levanta-se cedo, há uma criança anda com o pai / mãe, a vida da criança fica em perigo, um anjo chama, o pai / mãe vê o que não viu antes, a criança é salva. Histórias semelhantes ensinam que De’s se importa e salva quem está em perigo. Mas as semelhanças são apenas semelhanças – não é a mesma coisa. Yishmael não será igual a Yitzchak na próxima geração do povo judeu.
6a Aliá (21:22-34). Avimelech inicia um pacto com Avraham em Beersheva. Eles dão ao lugar o nome de Beersheva, da palavra «jurar». Avraham invoca o nome de De’s em Beersheva.
A fama de Avraham provocou um pacto. Mas porque Avmelech faria um pacto assim? Parece que não é só Avraham que é famoso; as promessas divinas da herança também o são. As pessoas ouviram falar deles, e acreditam neles e respeitam-nos. Por isso, preferem estar do lado de Avraham.
7a Aliá (22:1-24). Akeidat Yitzchak, o sacrifício de Isaac. É dito a Avraham para pegar em Yitzchak e oferecê-lo como oferenda. No caminho, Yitzchak questiona Avraham. Chegam à montanha. No último momento, o anjo chama Avraham. Avraham provou a sua lealdade à ordem de De’s. Ele vê um carneiro preso num arbusto e oferece-o no lugar de Yitzchak. Regressam a BeerSheva.
A história mais dramática da Torá. Uma história de absoluta lealdade à ordem divina, mas também de pathos e ironia. O homem da generosidade, que suplicou pelas vidas dos perversos de Sodoma, está agora pronto para tirar a vida do seu próprio filho. Aquele que desafiou a injustiça da destruição iminente de Sodoma, agora não tem voz. E o mais óbvio – aquele que esperou pacientemente durante 25 anos pela promessa de um filho – e de um futuro – agora está pronto para destruir tudo.
Uma história que pode ser pensada e estudada durante uma vida inteira. Talvez, um elemento da história diga respeito às promessas. As promessas a Avraham de fama, família e fortuna foram concedidas por De’s. E a promessa de a sua família herdar a Terra de Israel pode agora tomar forma. Mas não pense que a aproximação de De’s ao Homem e ao povo judeu não terá a sua complexidade, os seus sacrifícios, os seus mistérios ao tentarmos entender as maneiras inefáveis de De’s. Está a ser criada uma ligação íntima, do amor de De’s pelo povo judeu, e estamos a ficar cada vez mais próximos dEle, mas Ele permanece opaco, inescrutável, misterioso, fora do nosso alcance. Vivemos simultaneamente em intimidade com o Divino por um lado, e, por outro, com uma grande distância.