Pelo rabino Reuven Tradburks
A Parshat Behar é uma pequena parasha de 57 versículos. É apenas um capítulo, mais 2 versículos para o próximo capítulo. Essencialmente, é a conclusão do livro de Vayikra, pois a Parasha da próxima semana, Bechukotai, é formada principalmente pelas admoestações das bênçãos e maldições em jogo na entrada na terra.
Assim, continua o tema da Kedushá que tem sido a preocupação deste livro de Vayikra, mas ele começa a abordar temas de estrutura social, antecipando a entrada iminente na terra de Israel. Nós conhecemos o resto da Torá, por isso sabemos que a entrada na terra será adiada por 40 anos, mas neste ponto da Torá parece que estamos prestes a entrar na terra. O foco então muda da Kedusha no nosso relacionamento com D’us para abordar os fundamentos da sociedade judaica em antecipação à entrada na terra.
1ª aliá (Vayikra 25:1-13) A Terra de Israel tem o seu Shabbat. Trabalha 6 anos, o 7º é um Shabbat para De’s. O que cresce por si só está disponível para ser usado. Yovel: A 7 ciclos de 7 anos segue-se o Yovel, o 50º ano, o ano do jubileu. É sagrado; proclama liberdade em toda a terra. Os escravos são libertados; a terra retorna ao seu proprietário original.
O tema da santidade é novamente expandido. Tivemos santidade no Mikdash, a nossa aproximação a Ele em Sua casa. Tivemos santidade na comida. Santidade nas relações: as permitidas e as proibidas. Santidade no tempo: Shabbat e feriados. Agora somos apresentados à santidade da terra de Israel, kedushat haaretz.
A terra de Israel é onde De’s nos convidou para estar perto dEle. Estamos mais próximos dEle em Sua casa, o Mikdash. E em Jerusalém, a Sua cidade. Mas a santidade da proximidade com Ele emana de Jerusalém para toda a terra. Essa santidade, a nossa proximidade com a Shechiná na terra de Israel, produz leis únicas relacionadas com a agricultura, com esta terra. Shemita e Yovel são exemplos destas leis, aplicáveis apenas na terra de Israel. Nós, que temos o privilégio de viver na terra de Israel, temos o privilégio de caminhar no jardim do Rei, no Seu quintal. Uma responsabilidade e um privilégio.
A Shmita diz-nos que precisamos de perceber que toda a Terra é Sua. Existem duas condições humanas que levam à alienação de D’us. Desânimo e arrogância. Uma visão demasiado baixa de nós mesmos. E uma demasiado alta. Até aqui, a Torá concentrou-se extensivamente na aproximação de D’us em relação ao Homem. O amor de D’us pelo homem cria um sentimento de importância: Ele quer aproximar-Se de nós? Uau, devemos ser especiais. Se Ele se aproxima de mim, então eu tenho que estender a mão para Ele. Esta é a dignidade e a majestade do homem. Mas, quando pensamos demais em nós mesmos – o homem que vence sozinho, o sucesso, a popularidade, o mundo aos meus pés – bem, então… Quem precisa de D’us? Eu posso fazer tudo sozinho. O Shabat ensina-nos que Ele é o Criador, não eu. E a Shmita ensina o mesmo com a terra – é dEle, não é minha. A Shemita equilibra a arrogância.
Mas o Yovel é uma mitsvá de um tipo totalmente diferente. E apresenta-nos a abordagem económica radical da Torá: proteção aos mais desfavorecidos.
Em Yovel, os escravos ficam livres e a terra volta à sua ordem original. Esta é a versão de «falência» da Torá. Vamos começar de novo. A cada 50 anos, a terra, que é a principal fonte de subsistência de uma sociedade agrária, começa de novo. Se uma pessoa precisou de vender o seu campo foi só porque estava com problemas financeiros. Mais ainda o escravo – ele estava realmente em apuros. Ambos começam de novo.
É esta teoria económica de proteção aos desfavorecidos que se desenvolve no resto da parashá.
2ª aliá (25:14-18) Ao venderes a tua terra, não abuses do comprador, por saberes que a terra retornará para ti no 50º ano. Vendê-a proporcionalmente aos anos que o comprador terá até ao Yovel. Manter estas leis permitir-vos-á estarem seguros na terra.
O comércio deve ser sempre justo. O alerta permanente ao consumidor não é a atitude da Torá. Caso o comprador não saiba que o Yovel é daqui a 3 anos, não venda por um preço que seria para 40 anos de uso. A segurança na terra depende não apenas da tua lealdade a D’us, mas também de uma prática comercial justa.
3ª aliá (25:19-24) Não te preocupes por poderes não ter o suficiente para comer se a terra descansar; Eu vou providenciar. Que a terra não seja vendida permanentemente, pois a terra é Minha, e vós sois apenas passageiros nela.
Não vamos ao extremo de esperarmos que a comida caia do céu. Precisamos de trabalhar para ganhar o almoço. Mas a bênção divina chega, se fizermos o correto. Descansa na Shemita depois de trabalhar por 6 anos, e Ele proverá. Lembramos isso com as nossas 2 challot em Shabat: no dia em que não trabalhamos, temos uma porção dupla. Descansa quando ordenado – bênção dupla.
4ª aliá (25:25-28) Se alguém ficar necessitado e vender o seu campo, resgata-o. O vendedor também pode resgatá-lo de acordo com os anos restantes até este lhe ser devolvido no Yovel.
Esta seção inicia o desenvolvimento da teoria econômica da intervenção. Quando as pessoas estão com problemas, ajuda-as. A venda de um campo não pode terminar bem. Significa perder o trabalho. Numa sociedade agrária, o que fará para viver este antigo proprietário de terras? Este é o início de uma espiral descendente. Resgata o seu campo; recupera-o para ele, para que possa ganhar a vida. Isto é como diz o Talmude: a forma mais alta de tzedaka é dar a uma pessoa um trabalho. Redimir o campo é devolver-lhe a vida.
A Torá está a legislar a intervenção. Não podemos dizer: ah, isso é problema dele. Ele meteu-se em problemas; ele que saia sozinho. Não é da minha conta.
É o paralelo financeiro de “não fiques indiferente perante o sangue do teu próximo”. A Torá não permite que sejamos espectadores inocentes, não nos envolvendo. Se a vida de alguém está em perigo, somos obrigados a intervir. E na nossa parashá, se as finanças de alguém estão em colapso, somos obrigados a intervir.
Mas a conexão familiar também é percetível. Devemos intervir para ajudar a nossa família. Há uma responsabilidade maior para os membros da família do que para os outros. A caridade começa em casa.
5ª aliá (25:29-38) Uma casa numa cidade também pode ser redimida se for vendida, mas apenas no primeiro ano. Depois disso, a venda é permanente. As casas em cidades abertas sã o consideradas como campos; podem ser resgatadas e regressam no Yovel. As cidades dos Leviim, mesmo que muradas, podem sempre ser resgatadas e também regressam no Yovel. Quando alguém precisar, ajuda-o. Não cobres juros; dá-lhe vida. Eu sou De’s que te tirou do Egito para te dar esta terra e para ser o teu De’s.
O Talmude salienta que a progressão das histórias que a Torá apresenta aqui é de mal a pior. Uma pessoa que se vê obrigada à venda de um campo devido à pobreza. Depois, a venda de uma casa. Depois, a necessidade de um empréstimo. E na próxima aliá, ser vendido como escravo. A tsedaka mais barata é a primeira: recuperar o campo, evitando todo este colapso.
6ª aliá (25:39-46) Se alguém te for vendido como escravo, não o oprimas. Trata-o como um trabalhador. E ele sai em liberdade no ano do Yovel. Porque vós sois meus servos. Escravos comprados às nações circundantes são como propriedade que passa de geração em geração.
A escravidão deixa-nos desconfortáveis porque conhecemos os abusos da escravidão e sua humilhação da dignidade humana. Mas a Torá permite a escravidão. Acho que temos que ver a escravidão dentro do contexto da abordagem económica da Torá: a ajuda aos desfavorecidos depende dos indivíduos. Não há nenhum sistema de bem-estar do governo. A nossa generosidade moderna expressa em elaborados sistemas de bem-estar social é um desenvolvimento muito recente. A Torá não coloca o cuidado dos desfavorecidos nos ombros do governo, mas sim nos ombros generosos do nosso povo. Como tal, pode haver circunstâncias em que a situação financeira seja tão terrível que a escravidão seja a melhor opção. Está muito além do âmbito deste texto apresentar as elaboradas leis de escravidão desenvolvidas no Talmud, mas a escravidão judaica tem muitas leis generosas. E pelo menos para o escravo há esperança: liberdade no Yovel.
7ª aliá (25:47-26:2) Se um judeu for vendido a um não-judeu, um parente o redimirá, porque o povo judeu são Meus servos, os Meus servos que redimi do Egito. Numa bela expressão de Imitatio Dei, imitando os caminhos de D’us, temos que ser como Ele era no Egito. Ele tirou-nos do Egito; nós também devemos tirar os nossos parentes da escravidão.