O DIREITO DE RETORNO (PARTE 3)

Na semana passada, publicámos uma nova parte da entrevista concedida pelo presidente e fundador da Shavei Israel, Michael Freund, à revista פנימה עלמה sobre os descendentes dos convertidos à força pela Inquisição. Aqui está a continuação deste artigo.

Um novo mundo

O México tornou-se o lar de muitos anussim que iam parar às costas do Novo Mundo na esperança de ficarem longe da Inquisição. Miriam, ou, como era conhecida anteriormente, Cindy Montiel Tepoz, é membro de uma destas famílias. Há apenas dois anos, aos 42 de idade, Miriam imigrou para Israel com o seu marido, um antigo pastor, e a sua filha de sete anos, Leah. Concluíram o processo de conversão recentemente, retornando oficialmente ao judaísmo. — Vimos de uma família muito coesa e muitos deles já se converteram. Alguns deles estão há muito tempo em Israel — diz Miriam. A sua avó materna chamava-se Salomé, uma forma do nome Shlomit, e o seu sobrenome era Del Toro Valencia. Linhagens de séculos anteriores mostram que esses nomes são característicos de Anussim. — A minha avó veio para o México, de Espanha, com os pais, em 1912, quando era bebé. Casou com o meu avô, chamado Roberto Tapuz Mani. Mani também é um nome associado a anussim. Juntos, criaram os seus 11 filhos. A casa da minha avó não tinha estátuas nem imagens, o que é muito raro no México, onde todas as casas têm estátuas e imagens de variadíssimos santos cristãos. Ela criou todos os filhos na fé em um D’us único. Quando eu tinha sete anos, a avó Salomé ensinou-nos a rezar, enfatizando que havia apenas um D’us em quem deveríamos acreditar. Todas essas práticas não tinham explicação.

Que outras práticas estranhas despertaram a sua curiosidade?

– A casa da minha avó tinha uma panela especial para o leite, que era para ser usada só para cozinhar os produtos lácteos. Todos os outros utensílios da cozinha eram destinados à carne. Nós não tínhamos ouvido nada nem sabíamos nada sobre o mundo kosher judaico. Sabíamos que o dia de descanso não era o domingo, mas que começava na sexta-feira ao pôr do sol. A avó também evitava celebrar os feriados locais e religiosos.

O pai de Miriam veio de uma família católica, mas a sua mãe, que depois de um tempo também se converteu ao judaísmo, educou os filhos no monoteísmo e não nos valores cristãos. – O meu pai não interferiu na educação que a minha mãe nos dava, apesar de a sua família nunca nos ter aceite ou entendido. Quando criança, eu também não entendia o cristianismo: Por que devo procurar o filho quando posso falar diretamente com o Pai? Sempre senti que não havia ali nada que satisfizesse a minha necessidade espiritual. Só encontrei significado mais tarde, na Torá.

Quando a sua avó faleceu, surgiu um vazio emocional e espiritual que levou a um processo de busca para grande parte da família. – Sempre houve uma busca espiritual na família, e sempre houve a questão do porquê  de não nos comportamos como cristãos, como todos os que nos rodeavam. Sabíamos que isso vinha da avó, mas não sabíamos porquê nem qual a fonte de todas essas práticas. De onde viemos, quase não existe um discurso assim. O cristianismo no México é muito dominante e não havia respostas para as perguntas que fazíamos. Não nos identificávamos com a atmosfera e a cultura local e, por outro lado, não tínhamos bases para os princípios em que fomos educados.

Quando Miriam tinha 12 anos, aconteceu a primeira mudança na vida da família: – A minha tia e o seu marido começaram a estudar judaísmo. Converteram-se há 35 anos e imigraram imediatamente para Israel. Através deles, fui exposta ao judaísmo, e a minha fé começou a tornar-se cada vez mais clara. Sempre quis entender por que temos práticas familiares diferentes e, de repente, eles vieram com um conhecimento claro e ensinaram-nos exatamente o que é o sábado e os 13 princípios de fé de Maimonides. Durante esse período, tudo começou a tornar-se mais claro e mais lógico para mim.

Da igreja ao Beit Midrash

Miriam conheceu o seu marido, Daniel Fuentes, de 45 anos, no seu trabalho. Daniel, então conhecido como Federico Fernando, era um cristão devoto, e foi até pastor. Casaram há cerca de nove anos, enquanto Miriam continuava a estudar judaísmo. Quatro anos após o casamento, em 2015, o seu marido também começou a estudar Torá, por sua própria vontade. – Ele já sabia o que era o sábado e conhecia o judaísmo, mas de longe.

Com o passar do tempo, os dois aprenderam a rezar e a guardar o Shabat e a alimentação kosher. – Poderíamos ter ficado no México. Eu trabalhava como advogada num local conhecido e estávamos em boa situação financeira. Mas quanto mais aprendemos, mais percebemos que não poderíamos realizar todo o nosso potencial lá. A nossa vida no México era boa, mas morar em Israel, e, especialmente, em Jerusalém, está a preencher-me e a fazer-me sentir como se tivesse voltado para casa. O judaísmo deu-me significado. Embora eu já conhecesse o meu marido antes e houvesse amor entre nós, o nosso relacionamento se tornou muito mais significativo depois de termos começado a estudar. A consciência da necessidade de manter a paz no lar muda a sua vida. Você vê a mudança na atmosfera em casa: Há mais santidade e calma. Também viemos para Israel por causa da educação judaica para a nossa filha, admite Miriam. – Já há 20 anos percebi que o judaísmo era a verdade, mas não avancei.

Apenas há dois meses, Miriam, Daniel e a sua filha Leah concluíram finalmente o processo de conversão. Eles agora vivem em Jerusalém e estão a aguardar receber o status oficial de imigração, para poderem estabelecer-se permanentemente no país. A organização Shavei Israel ajudou-os ao longo do caminho. – Tenho muita gratidão pelas pessoas da organização que nos apoiaram, – diz Miriam animadamente.

Saber que é Bnei Anussim influenciou-a?

– Saber que tenho raízes judaicas fortalece ainda mais a minha conexão com o judaísmo. Fortalece-me na adoração a D’us e no conhecimento de que Moisés é verdadeiro e de que os seus ensinamentos são verdadeiros. O facto de a nossa família ter de alguma forma conseguido transmitir tantos costumes antigos, originários do sofrimento da Inquisição, sublinha o poder do espírito judaico: A sarça ardente e a falta de comida, e a dedicação dos judeus nas condições mais difíceis.

Quais os principais desafios que enfrenta hoje?

– O idioma. Embora desejemos muito aprender hebraico, não é simples. Obviamente, há também a situação económica, que não pode ser ignorada. Israel é um país muito mais caro que o México, e ainda não temos ingressos. A minha principal preocupação é a nossa Leah, que ela se adapte facilmente à nova situação.

– Muitas vezes sinto-me perdida, – admite Miriam, – mas, ao mesmo tempo, sei que todos os desafios são temporários e que a terra de Israel é comprada com sofrimento, e com a ajuda de D’us tempos mais fáceis virão. Saber que a minha família e eu estamos na Terra Santa, que fazemos parte de uma comunidade, que tenho um lugar para rezar, que tudo ao meu redor é kosher e que há aqui pessoas boas, isso é uma bênção para mim. Agradeço a D’us que me deu a oportunidade de dar este passo.

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