Por: Rachael Spero
Nota: Este livro existe em espanhol com o nome Lo que el río calla
Nas memórias de Doreen Carvajal, The Forgetting River: A Modern Tale of Survival, Identity and the Inquisition (Riverhead), Carvajal discute sua jornada ancestral da Costa Rica, seu local de nascimento, para Segóvia, Espanha, para descobrir as raízes judaicas ocultas de sua família católica. Em 2019, estreou um documentário dirigido por Joseph Lovett, intitulado ‘Filhos da Inquisição’. Doreen participou deste documentário junto com outros descendentes da Inquisição. Seu pai admitiu para ela que sabia que era judeu desde os 6 anos de idade, mas não tinha permissão para falar sobre isso. Só quando já era adulta, ao entrevistar um rabino, ela foi questionada se sabia a origem de seu nome e se era um antigo sobrenome judeu sefardita. O crescente interesse por seu sobrenome foi o que iniciou sua jornada ao passado. Lamentavelmente, seu familiar mais famoso, Luis de Carvajal, que praticava o judaísmo abertamente, foi queimado na fogueira pela Inquisição na Cidade do México em 1596.
Querendo saber mais, ela procurou sua tia-avó Luz Carvajal de Llubere em San Jose, Costa Rica, que lhe disse: “Bem, como é típico da família Carvajal, sim, somos sefarditas, mas é sempre complicado .” Mesmo no século XXI, eles ainda eram muito cautelosos e tinham medo de revelar suas origens. Carvajal conseguiu rastrear sua família até Segóvia, na Espanha. Como foi mostrado no documentário e descrito em suas memórias, Carvajal se encontrou em sua cidade ancestral de Segóvia, na Espanha. Equipada com informações dos anciãos da família, ela começou sua jornada para obter mais informações sobre o passado enigmático de sua família.
Em Segóvia, Carvajal se encontrou com o principal especialista em história judaica sefardita, o professor David Gitlitz, que faleceu recentemente em 2021, que sua memória seja uma bênção. Gitlitz percorreu a árvore genealógica de Carvajal, começando com seu 16º bisavô, Diego Arias Dávila, que se converteu quando criança e cresceu em uma família que continuou a praticar as tradições judaicas. Diego, que viveu no século XV, era um homem de muitos talentos e encantos. Por meio de seus esforços em estabelecer bons contactos, ele se tornou amigo do príncipe Henry e, por fim, tornou-se o ministro das finanças do rei de Castela, o rei Enrique IV. Durante esse tempo, Dávila tinha uma dupla identidade, praticando o judaísmo em privado, e frequentando a igreja publicamente. Ele tinha seu próprio castelo, que agora é uma agência das Finanças. Gitlitz acompanhou Carvajal à casa palaciana dos seus antepassados e à sinagoga próxima, que a família Dávil provavelmente poderia ter frequentado, chamada Antigua Sinagoga Mayor de Segovia, mas que agora se chama Convento de Corpus Christi. Diego teve um filho, Juan, que não queria nada com o judaísmo de seus pais, abraçou o catolicismo e foi nomeado bispo de Segóvia aos 21 anos.
No Arquivo Histórico Nacional de Madrid, Gitlitz e Carvajal encontraram transcrições de um julgamento do século XV entre Juan Dávil e Tomas de Torquemada, o primeiro Grande Inquisidor espanhol. Torquemada apresentou queixa contra os pais de Juan, embora eles já tivessem falecido há anos. Cerca de 200 testemunhas prestaram depoimento contra a família por praticar costumes judaicos tão banais como lavar-se antes do shabat, comer adafina, um ensopado de cozimento lento (um cholent sefardita) feito no bairro judeu e comer comida kosher.
Durante sua pesquisa, Carvajal contactou o fundador e presidente da Shavei Israel, Michael Freund, que lhe explicou que, embora o judaísmo não acredite em proselitismo, a organização existe para apoiar aqueles que querem recuperar suas raízes judaicas, o que se tornou cada vez mais comum nos dias de hoje. No último capítulo do livro, Michael Freund convidou Carvajal para participar de uma reunião de rabinos de Israel e da diáspora na cidade portuária de Palma de Maiorca, na Espanha, com o objetivo de homenagear aqueles que foram vítimas de um auto-de-fé em 1691. Ficou convencida a ir assim que ouviu a descrição de Michael sobre o memorial planejado. Ele havia mencionado uma antiga igreja católica em Palma que foi construída sobre os restos das sinagogas mais antigas da cidade e algumas das antigas pedras da sinagoga são lisas e descoloridas porque os descendentes dos Chuetas (descendentes de judeus de Maiorca) costumavam passar as mãos ao longo delas e beijar seus dedos. Essa descrição tocou seu coração e Doreen reservou sua passagem para Maiorca.
Quando chegou o dia do memorial, o grupo caminhou por Casco Antigua, o bairro antigo de Palma de Maiorca, passando pela antiga sinagoga e terminando com uma cerimônia. O rabino Ben Avraham, de origem chueta, que cresceu como católico em Maiorca e que mais tarde se converteu, conduziu a cerimônia. Como parte da cerimônia, o rabino Avraham leu em voz alta os sobrenomes dos mortos do auto-de-fé de 1691. Durante esta viagem, Carvajal ouviu algumas das histórias dos participantes do memorial que tinham raízes chuetas, relacionando-as com sua própria história ancestral. Carvajal se conectou com o rabino Israel Wiesel, juiz de um tribunal rabínico religioso israelense, que estava em Mallorca pesquisando a história dos Chueta e os nomes comumente encontrados na comunidade. Em última análise, graças à sua pesquisa, foi elaborada uma lei haláchica segundo a qual se uma comunidade permaneceu pura durante os últimos 700 anos apesar da opressão e das perseguições, é considerada judia.
Ao falar com o violinista Bernat Pomar, já idoso, que se converteu ao judaísmo aos 78 anos, ela ganhou clareza sobre suas próprias identidades contraditórias, a judaica e a católica. Pomar explicou que descobriu sua origem judaica quando reconheceu a origem judaica de seu nome em um livro publicado décadas atrás. Embora tivesse dificuldade em explicar por que demorou tanto para voltar às raízes e acostumado ao sigilo de seus descendentes, ele conseguiu se expressar por meio de sua música, mesclando temas de Israel, batidas flamencas e danças de Maiorca.
Carvajal termina suas memórias com a descoberta de um cartão de oração, entre outros papéis da família, que havia sido distribuído no funeral de sua tia-avó Luz Carvajal de Llubere em outubro de 1998 em San José, Costa Rica. Um lado do cartão continha os detalhes do funeral e o outro lado do cartão continha a oração, Salmo 92.
Os justos florescerão como a palmeira; crescerão como um cedro no Líbano. Plantados na casa do Senhor, florescerão nas cortes de nosso D’us. Ainda darão frutos na velhice.
Carvajal leu esses versos incrédula. Era a mensagem final de sua tia-avó, levando ao mundo a tradicional oração sabática, a canção do dia de Shabat, como sinal de confirmação de suas pesquisas e crenças sobre a identidade judaica de seus antepassados. Em um artigo escrito por Rahel Musleah para a revista Hadassah em 2015, Carvajal disse: “Agora que entendo o que aconteceu, valorizo a perseverança de meus ancestrais para proteger suas crenças”, diz Carvajal. “Quando enfrento minhas próprias lutas, penso no que eles alcançaram.”