
Juderías


O legado português no cemitério judaico de Hamburgo
Por: Paulo Pisco
Veja aqui o artigo original completo do jornal português Diário de Notícias
O cemitério judaico-português de Hamburgo é um exemplo extraordinário da presença portuguesa no mundo, onde a história confirma a conhecida capacidade de adaptação dos portugueses aos contextos e situações mais inesperados.
Construído em 1611, e onde foram registadas mais de 1500 sepulturas, segundo algumas fontes, o cemitério foi oficialmente encerrado há quase um século e meio e é hoje um lugar de visita intenso e o mais antigo da cidade e do norte da Europa. Passa-se o portão que o protege e o visitante é logo envolvido pelas árvores altas e dispersas que dão sombra e frescura às lápides com inscrições em português, outras em hebraico, muitas com um véu de fuligem e musgo, umas tombadas outras na vertical.
Fugidos de Portugal por causa da Inquisição no final do século XVI, os cristãos novos foram bem aceites em Hamburgo, onde encontraram um lugar para viver, sem terem de esconder a sua religião e rituais judaicos. Situado então numa das zonas mais nobres da cidade, o nome da rua, Königstrasse, Rua dos Reis, é disso mesmo um reflexo.
O terreno foi adquirido pelos comerciantes portugueses André Falero, Ruy Cardoso e Álvaro Dinis, que conquistaram as graças do soberano e assim conseguiram que “a nação portuguesa pudesse sepultar os seus defuntos”, os judeus sefarditas, segundo o pequeno livro Arquivos de Pedra – 400 anos do Cemitério Judaico de Königstrasse. Com a sua ação, deixaram para a posteridade um extraordinário legado, onde se encontra uma parte da História de Portugal e de Hamburgo, o que certamente terá contribuído para que esta cidade seja hoje a mais portuguesa da Alemanha, com inúmeras marcas da nossa presença, do “bairro português” apinhado de restaurantes, ao antigo navio-escola Sagres ancorado no porto, da omnipresença dos pastéis de nata, ao único busto do Vasco da Gama existente no estrangeiro.

Brasil: a comunidade judaica mais antiga das Américas
Por: Rav Menachem Levine
Link para o artigo original em inglês: https://aish.com/brazil-the-oldest-jewish-community-in-the-americas/
A fascinante história dos judeus do Brasil.
Não é em Nova York, em Cincinnati ou na Filadélfia. A mais antiga e primeira comunidade judaica das Américas foi estabelecida no Brasil, onde judeus sefarditas fundaram a primeira sinagoga em Recife em 1636. Esta é a fascinante história dos judeus do Brasil.
Descobrimento Português 1492 – 1624
Após um século de descobertas e colonizações bem-sucedidas, a monarquia portuguesa disse a Pedro Álvares Cabral, no ano de 1500, que levasse seus navios o mais longe possível para oeste para ver se encontrava uma rota alternativa para a Índia. Acompanhando Cabral nesta viagem como intérprete estava um judeu, Gaspar da Gama.
Gaspar foi “descoberto” pelo famoso explorador Vasco da Gama, na Índia, onde Vasco da Gama ficou chocado ao encontrar um homem branco servindo como conselheiro de um dos governantes locais. Vasco Da Gama decidiu que lhe seria útil ter alguém que falasse as línguas orientais, então decidiu levar esse homem de volta para Lisboa. Fez o judeu se converter ao catolicismo e adotar o nome de Gaspar da Gama, em honra do explorador.
Quando Cabral viajou para o Oeste, achou que seria útil ter Gaspar com ele para conversar com os nativos. Depois de cruzar o Oceano Atlântico, chegaram à terra que viria a ser conhecida como Brasil. O primeiro homem a pisar nesta nova terra foi Gaspar. Infelizmente, o seu conhecimento dos dialetos da Índia não serviu de nada para tentar conversar com os brasileiros, e foi então que começou a colonização portuguesa no Brasil.
Depois de descobrir o Brasil, os colonos portugueses foram para o oeste, na esperança de descobrir ouro e prata e estender seu território. Eles eram conhecidos como os Bandeirantes porque carregavam uma bandeira com eles. Com base em seus nomes, os registros sugerem que muitos deles eram conversos, judeus ocultos. Um dos bandeirantes mais importantes foi Fernando de Noronha, um converso português com muitos contatos na corte lisboeta. Ele convenceu a Coroa a arrendar-lhe a terra e que lhe daria em troca uma madeira chamada Pau Brasil que fornecia um corante e outros itens preciosos que encontrasse. A madeira que ele enviou deu à terra o nome de Brasil.
Os historiadores sugerem que seu esquema de arrendamento foi um esforço para ajudar os judeus portugueses, criando um lugar para eles viverem longe das crescentes ameaças da Igreja Católica e da Inquisição. Isso era crucial, porque depois de serem expulsos da Espanha em 1492 pelo infame Decreto de Alhambra, muitos judeus espanhóis se mudaram para Portugal, onde havia muito mais tolerância para com os judeus.
Mas este refúgio chegou ao fim em 1497, quando Portugal expulsou os seus judeus. Nesse ponto, alguns judeus se mudaram para a Holanda e outros tentaram se mudar para as colônias distantes, esperando chegar o mais longe possível do governo centralizado e de sua Inquisição. Assim, muitos cristãos-novos ou conversos se estabeleceram no Brasil, onde se beneficiariam com a colonização de Fernando de Noronha.
Brasil holandês 1624-1654
Em 1600, a Companhia Holandesa das Índias Orientais, que importava especiarias e produtos exóticos do Extremo Oriente, tinha grande sucesso. Assim, os holandeses decidiram criar uma Companhia das Índias Ocidentais, que importaria recursos naturais de Nova York, das ilhas do Caribe e do Brasil, grande produtor de açúcar.
Os holandeses derrotaram os portugueses no nordeste do Brasil e começaram a estabelecer ali um assentamento holandês, chamado Nova Holanda. Os holandeses permitiram a liberdade religiosa na Nova Holanda. Como resultado, muitos convertidos portugueses que viviam nas áreas do Brasil controladas pelos portugueses se mudaram para lá, para se tornarem novamente judeus de pleno direito. Duzentos judeus holandeses também faziam parte do assentamento holandês original. Os judeus estabeleceram uma variedade de negócios na Nova Holanda e estiveram particularmente envolvidos no desenvolvimento da indústria açucareira do Brasil.
A maioria desses mercadores judeus morava na Rua dos Judeus. Foi nesta rua que foi construída a primeira sinagoga do Hemisfério Ocidental, em 1636. Chamava-se Kahal Tzur Israel, a Rocha de Israel.
Os registros da sinagoga mostram uma comunidade judaica bem organizada, com alta participação, incluindo uma escola Talmud Torá, um fundo de tzedakah e um comitê executivo de supervisão. Em 1642, Rabi Isaac Aboab da Fonseca, um conhecido rabino de Amsterdã, e Moses Raphael d’Aguilar vieram ao Brasil como líderes espirituais para auxiliar as congregações de Kahal Zur em Recife e Magen Abraham em Mauricia.
Conquista portuguesa da Nova Holanda
Durante anos, o assentamento holandês prosperou, mas depois a Companhia das Índias Ocidentais começou a perder o interesse na colônia, pois os lucros eram menores do que noutras áreas sob seu controle. Os portugueses expulsaram os holandeses do Brasil em 1654, após uma guerra de nove anos.
No Tratado dos Guararapes, os portugueses prometeram respeitar a liberdade religiosa daqueles que optaram por permanecer no Brasil sob controle português. No entanto, nos anos seguintes, os portugueses voltaram atrás em sua palavra, acusaram os judeus de heresia e os perseguiram.
Nesse ponto, 150 famílias judias optaram por retornar a Amsterdã, mas outras se mudaram para áreas controladas pelos holandeses no Hemisfério Ocidental. Vinte e três desses judeus holandeses viajaram para Nova Amsterdã, a atual Nova York. Peter Stuyvesant era o governador de Nova Amsterdã e não gostava de judeus. Ele pediu permissão à Companhia das Índias Ocidentais para expulsá-los, sem perceber que uma porcentagem dos acionistas eram de fato judeus. Ele recebeu uma resposta de Amsterdã dizendo-lhe para «tratar nossos acionistas com consideração».
A Inquisição no Brasil
Apesar da esperança dos judeus de que a distância os protegesse do longo braço da Inquisição, a perseguição portuguesa os seguiu até o Novo Mundo. Em 1647, Isaac de Castro foi preso por ensinar judaísmo numa parte do Brasil controlada pelos portugueses. Ele foi deportado para Portugal, onde a Inquisição o condenou à morte e o queimou na fogueira. Reconhecendo o perigo, os judeus esconderam suas identidades judaicas, emigraram para áreas controladas pelos holandeses ou se mudaram para o interior do Brasil, onde havia menos supervisão.
Os historiadores encontraram recentemente populações no interior do Brasil que têm práticas aparentemente judaicas. Esses grupos não sabem explicar porquê, mas acendem velas na sexta-feira, lêem apenas o “Antigo Testamento”, não comem carne de porco ou marisco e evitam comer pão durante a Páscoa.
Um dos casos mais famosos sobre a Inquisição no Brasil foi o de Antonio José da Silva. Da Silva era um estudante de direito que morava no Rio de Janeiro, e também escreveu várias peças de teatro de sucesso. Foi denunciado à Inquisição, preso e enviado para Portugal. Ele se recusou a se retratar e foi queimado na fogueira em 19 de outubro de 1739. Sua coragem inspirou brasileiros judeus e não judeus, e, em 1996, sua história foi transformada em um filme brasileiro chamado O Judeu.
O fim da perseguição oficial e a comunidade marroquina
Em 1773, um decreto real português aboliu a perseguição aos judeus. Como resultado, foram-se estabelecendo gradualmente judeus no Brasil, embora quase todos os conversos brasileiros originais já tivessem sido assimilados.
Em 1822, depois que o Brasil conquistou sua independência oficial de Portugal, começaram a se mudar para o Brasil judeus marroquinos. Em 1824, eles fundaram uma sinagoga em Belém (norte do Brasil) chamada Porta do Céu. Na Primeira Guerra Mundial, a comunidade sefardita de Belém, composta principalmente por marroquinos, tinha aproximadamente 800 membros. Na década de 1950, uma onda adicional de imigração judaica trouxe mais de 3.500 judeus marroquinos para o Brasil.
Os judeus europeus Ashkenazi começaram a chegar ao Brasil por volta de 1850. O Brasil não era o destino preferido de judeus europeus à procura de uma nova vida na América do Sul. Os europeus, judeus e não judeus, tendiam a preferir a Argentina, mais cosmopolita. No início do século 20, a Argentina tinha um dos mais altos padrões de vida do mundo. É possível que os imigrantes que escolheram o Brasil o tenham feito porque a o preço do bilhete de barco era muito menor do que para Buenos Aires, que ficava 1500 milhas ao sul.
Quase 30.000 judeus da Europa Ocidental, principalmente da Alemanha, vieram para o Brasil na década de 1920, para escapar do antissemitismo europeu. Em 1929, eles haviam estabelecido tantas comunidades que havia 27 escolas judaicas.
Ascensão do antissemitismo no Brasil
Na década de 1930, os intelectuais brasileiros começaram a caluniar os judeus, retratando-os como não-europeus, comunistas empobrecidos, capitalistas gananciosos e prejudiciais ao progresso. O Partido Nazista também encorajou o anti-semitismo entre a diáspora alemã, embora tenha tido muito mais sucesso na vizinha Argentina.
Em 1938, o Brasil iniciou um esforço ativo de assimilação e fechou os jornais iídiche e as organizações judaicas, tanto seculares quanto religiosas. Seguiu-se uma onda de antissemitismo, incluindo várias impressões dos Protocolos dos Sábios de Sião. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, o Brasil adotou uma política de imigração que proibia a entrada de mais refugiados judeus no país.
No entanto, o embaixador brasileiro na França, embaixador Luis Martins de Souza Dantas, via as coisas de forma diferente e heroicamente escolheu ignorar a proibição do Brasil à imigração judaica. Vendo o que aconteceria com os judeus caso permanecessem na França, ele concedeu vistos de imigração a centenas de judeus franceses, salvando suas vidas do Holocausto.
Após o Holocausto, o Brasil adotou uma nova constituição, mais democrática, e o antissemitismo diminuiu. A imigração judaica fortaleceu a comunidade com números cada vez maiores e, na década de 1960, o judaísmo brasileiro estava prosperando. Nas eleições parlamentares de 1966, seis judeus representando vários partidos foram eleitos para a legislatura federal. Além disso, políticos judeus serviram em legislaturas estaduais e conselhos municipais.
Horacio Lafer, judeu, foi Ministro da Fazenda nas décadas de 1950 e 1960. Ele foi fundamental para que milhares de judeus deslocados da Síria, Líbano e outros países do Oriente Médio pudessem se estabelecer no Brasil.
Comunidade Judaica Brasileira Moderna
Hoje o Brasil tem a nona maior comunidade judaica do mundo e a segunda maior população judaica da América Latina, depois da Argentina. A população judaica totaliza cerca de 130.000. Cerca de 70.000 judeus vivem em São Paulo, que é o coração comercial e industrial do Brasil, e outros 30.000 vivem no Rio.
Os restantes 30.000 judeus estão distribuídos pelas outras cidades do país. Aliás, há um ditado no Brasil que diz que «se uma cidade não tem um comerciante judeu, não merece ser chamada de cidade».
Os judeus paulistas estão particularmente orgulhosos de seu apoio ao Hospital Israelita Albert Einstein, considerado por muitos o melhor hospital de toda a América do Sul. Foi o primeiro hospital fora dos Estados Unidos a ser credenciado pela Joint Commission.
No Brasil atual, a comunidade judaica vive em paz e estabilidade e pode praticar sua religião livremente. Em contraste com o anti-semitismo que marcou sua história, hoje a maior ameaça ao judaísmo brasileiro é o casamento misto e a assimilação.
Ao mesmo tempo, devido aos esforços de muitos indivíduos, começaram a florescer escolas judaicas, aulas de educação de adultos e estabelecimentos kosher.
Incrivelmente, a sinagoga Kahal Zur em Recife, a primeira sinagoga construída nas Américas, foi reaberta em 2002, 347 anos depois de ter sido fechada pelo domínio colonial português. A sinagoga não era usada desde meados do século XVII, quando os portugueses derrotaram os holandeses em Recife, expulsaram seus cerca de 1.500 judeus e baniram o judaísmo. A sinagoga está novamente aberta graças à generosidade da família de banqueiros Safra.
Após a Segunda Guerra Mundial, Binyomin Citron era um construtor e líder comunitário em São Paulo. No início da década de 1950, ele se encontrou com o principal sábio americano, o rabino Aharon Kotler, e orgulhosamente lhe contou sobre um belo edifício que ele havia construído para ser usado como yeshiva, descrevendo como ele iria produzir judeus fortes e educados, tal como uma grande yeshiva americana.
Com grande discernimento, o rabino Kotler respondeu a ele: «Prédios não criam judeus fortes e educados, as pessoas sim. Se você tiver os rabinos certos como professores, você pode produzir judeus instruídos e fortes. Enviaremos o melhor rabino do sistema para ajudar a construir a Torá no Brasil.» O rabino Kotler enviou Reb Zelig Privalsky ao Brasil, onde ele e muitos outros ajudaram a criar um futuro judaico para milhares de judeus brasileiros – um futuro para a comunidade judaica mais antiga do Hemisfério Ocidental.

A nossa resiliência tem que ser reconhecida: entrevista a um judeu calabrês
Roque Pugliese, um judeu calabrês, conta a realidade dos judeus no sul da Itália: uma mistura de tenacidade, criptojudaísmo e amor por Israel.
Doutor Pugliese, o que significa hoje ser judeu no sul da Itália?
Você deve entender que os cripto-judeus do sul viveram escondidos durante séculos, fazendo o Shabat “no porão [na cave]”, isto é, nas condições mais difíceis. Ao longo do tempo, os judeus do sul perderam os seus livros, professores e o uso do hebraico, e por isso mudaram para um dialeto único. No entanto, de alguma forma, persistiram. Aqui, por assim dizer, estamos habituados a ficar sozinhos, temos as nossas tradições kosher e nossa judeidade, compramos carne de Roma, e quando alguém nos vem visitar é uma festa para nós. E agora, depois de cerca de cinco séculos, podemos finalmente emergir e voltar ao ar livre. Por exemplo, eu ando com kipá, estou orgulhoso e feliz por ser judeu nestas terras. Por isso quis casar na sinagoga de Bova Marina, fechada há 1700 anos. Claro que sentimos falta de rezar com um minyan, sentimos muito a falta de uma comunidade, mas estamos a tentar trabalhar para construir a comunidade novamente. Devo dizer que podemos contar com as autoridades locais, que nos compreendem e nos consideram uma parte importante e integrada da cultura residente.
Recentemente, houve uma importante iniciativa em Sta. Maria del Cedro que comprova isso. Pode falar-nos sobre isso?
Era um projeto que esperávamos há muito tempo. Muitos prefeitos [presidentes da câmara] estiveram presentes na iniciativa, e isso dá uma ideia da atenção para a realidade judaica do sul e as raízes judaicas da Calábria. Não se tratava apenas de desenvolver o turismo judaico no sul, o que certamente é importante, mas também de procurar uma perspetiva mais ampla.
O que isso quer dizer?
Em Sta Maria del Cedro estiveram instituições chave para o projeto: o Governador da Calábria, com o importante trabalho de Klaus Davì, que ampliou e reuniu os vários aspetos do sulismo judaico, depois a UCEI, a Comunidade Judaica de Nápoles e o Embaixador do Estado de Israel. A intenção era impulsionar um sistema económico regional estagnado. O resultado foi justamente a conferência, que deu a possibilidade de iniciar uma colaboração cultural e económica em diversos setores. Devo dizer que poder aproximar Israel e a Calábria é incrível, especialmente depois de anos de trabalho e sacrifício. O papel do Presidente Noemi Di Segni e do Vice-Presidente Giulio Disegni, responsável pelo Sul, foram decisivos para dar sinergia às forças mobilizadas. Afinal, pense, por exemplo, que durante a primeira onda de pandemia de Covid demos máscaras em hospitais e agências das forças de segurança com o símbolo Magen David. A nossa contribuição como judeus residentes para necessidades críticas tem sido concreta. Também trabalhamos constantemente nas escolas e fazemos cursos de kashrut, difundindo os princípios básicos: alguns alunos apresentaram as suas teses sobre kashrut nos exames estatais. O resultado da conferência em Sta. Maria del Cedro foi, portanto, muito positivo. Foram tocados pontos sensíveis e estamos muito felizes porque agora esperamos que Israel esteja disposto a colaborar num plano de desenvolvimento económico. O embaixador Dror Eydar compreendeu imediatamente a nossa realidade judaica residente e ficou feliz com o acolhimento instintivo de toda a região. Isso deixa-nos orgulhosos.
Pode falar-me sobre a realidade local dos judeus do sul?
Nós, aqui na Calábria, pertencemos à comunidade judaica de Nápoles, responsável por todo o Sul. Na Calábria há residentes judeus não registados. Reconhecemos um problema interno: temos poucos membros, mas são muitos os que nos olham com interesse e trabalham pelo judaísmo. Eu certamente não poderia trabalhar sozinho e obter resultados. Nada poderia fazer sem a ajuda dessas pessoas, animadas pelo imenso amor a Israel e ao judaísmo. Esses são recursos que devemos fazer tudo o que pudermos para manter.
Quando falamos de judeus do Sul, os nossos pensamentos vão para todos aqueles que tentaram, no passado, completar o caminho de conversão: em que ponto está essa situação?
Há anos que existe um Projecto Sulista que, no entanto, tem estado envolvido em várias fases e muitas vezes causa divisões, pois tem insistido em projetar a dinâmica das Comunidades, que tem séculos, para uma realidade diferente, como a do Sul, que tem particularidades específicas. O projeto tem duas vertentes: aquele que é gerido pela UCEI e depois a vertente religiosa, na qual não posso entrar, de competência rabínica. Gostaria de dizer que a UCEI sempre nos deu a mão, sempre entendeu o nosso sofrimento. Assim como a presidente de Nápoles, Lydia Schapirer, e o vice-presidente Sandro Temin, que agiram com compreensão do nosso trabalho. No entanto, no momento, para dizer a verdade, a maioria dos interessados em voltar às suas raízes foi forçada a sair sem resultados.
Porquê, na sua opinião?
Parece-me que isso se deve a uma posição tomada sobre os convertidos do sul ao judaísmo, motivada pelo facto de não haver aqui nenhuma comunidade local. O que não significa que essas pessoas tenham perdido o interesse, apenas que acabaram escolhendo outros caminhos.
Por exemplo?
Muitos obtiveram a conversão no exterior, outros em diversas associações. Alguns hoje são judeus ortodoxos; no entanto, devo dizer que muitos são acolhidos pelos conservadores e/ou reformistas. É claro que se não fizermos uma oferta concreta, surgem outras realidades. E assim, aqueles que querem voltar às suas raízes judaicas vão para onde têm a esperança de ter sucesso.
Os movimentos reformistas são uma “concorrência” sentida no sul?
Há comunidades reformistas que acolhem as pessoas, enquanto nós não damos respostas concretas. Eles têm um sistema de receção local muito diferente do nosso e respeitam as identidades territoriais. Essas realidades tentaram fazer contato com as instituições locais, tentamos fazer tudo o possível para representar a União, mas objetivamente às vezes é difícil nessas condições.
Como poderia ser resolvido esse problema, na sua opinião?
Em geral, as pessoas não podem ser trazidas das comunidades se as problemáticas locais não forem aceites e resolvidas de forma agregadora e não divisiva. A realidade que precisa de ser entendida é que as pessoas aqui realmente sentem a sua herança judaica, pois a expulsão dos judeus no século XV resultou no fenómeno do criptojudaísmo, e com ele uma grande bolsa de resiliência cultural. É um mundo que deve ser compreendido e aceite para se poder trabalhar nele.
O ‘marranismo’ e o criptojudaísmo são fenómenos presentes noutras partes da Europa, onde a questão foi abordada de forma diferente. Em Portugal e Espanha abordaram o problema com leis nacionais que favorecem o regresso, em cooperação com instituições judaicas locais. A Shavei Israel também trabalha com muito sucesso nesse mundo, juntando os Bnei Anussim. Com eles falamos de “retorno”, não de conversão, ou seja, a sensibilidade é diferente daquela que é utilizada na Itália, deixando de fora a parte técnica. Se a questão for enquadrado como conversões, e não como parte da herança judaica, a solução certa nunca será encontrada no sul, que tem a sua própria história territorial específica. O sul teve o fenómeno dos decretos de expulsão de Ezra Israel… Bnei Anussim. Portugal e Espanha satisfizeram o pedido de retorno e também enriqueceram aquelas terras; nós, por outro lado, não escolhemos tais soluções e continuamos um pouco… invisíveis.
Em que projetos futuros está a trabalhar agora?
O evento de Santa Maria del Cedro foi o esperado culminar de anos de trabalho, materializado com o empenho da Região, que partilha a nossa realidade residencial. Considero isso um primeiro passo para projetos futuros, que agora estamos a direcionar para uma maior colaboração com Israel, a UCEI e a Comunidade. Por exemplo, sonhamos em ver regressar, nem que seja só temporariamente, o primeiro livro impresso mecanicamente dos comentários de Rashi, feito aqui na Calábria, porque é nosso património. Daria dignidade ao nosso passado e… presente, consertando a vontade de uma região de recuperar a posse da sua própria história. Temos a vontade de reconstruir a nossa história, que foi apagada, reiniciada, sob controlo da Inquisição. Temos que lançar luz sobre todos os nossos artefactos históricos e revivê-los, numa espiritualidade renovada: para trazer à tona essas latências judaicas e centelhas de vida. Aqui na Calábria há escavações em túmulos judaicos a serem desenterrados, mas são necessários recursos.
Continuaremos a manter viva para os alunos a memória do que foram as aberrantes leis Racistas Fascistas que criaram na Calábria o campo de internamento de Ferramonti di Tarsia, um campo de internamento fascista, onde muitos presos judeus contribuíram depois da libertação para lançar as bases do novo Estado de Israel. E então gostaríamos de publicar a história do cedro da Calábria, de acordo com a visão de especialistas que colaboraram com as nossas iniciativas. De resto, continuaremos a fazer a iluminação pública das Chanuchiot, os dias de cultura, os nossos Shabbatot… a nossa “resiliência”.
Na fotografia: Roque Pugliese e sua esposa, no dia do seu casamento, em Bova Marina
Artigo original em italiano em riflessimenorah.com

Descendentes criptojudaicos estão em contacto, mas ainda há obstáculos
Por: Sasha Rogelberg
“Shabbat Shalom a Todos” escreveu um membro do grupo do Facebook Sephardic and Crypto-Jewish Research para um público de mais de 400 membros, muitos dos quais vivem no norte do México ou no sudoeste dos Estados Unidos.
O post aparece por cima de acima de uma consulta para encontrar um livro sobre guardas da marinha espanhola publicado em 1954 em Madrid e por baixo de uma imagem antiga de um manual escolar mostrando uma mulher a ser levada perante a Inquisição na Cidade do México.
O conteúdo dos posts do grupo é variado, mas todos dizem respeito ao criptojudaísmo, a prática secreta do judaísmo pelos judeus sefarditas em Espanha e suas colónias durante e depois da Inquisição.
Numa época em que os católicos continuam a ser a grande maioria nos países de língua espanhola e na Península Ibérica, os judeus desses países permanecem estigmatizados, embora a Inquisição tenha terminado há séculos. É por isso que esses grupos do Facebook são preciosos para tantas pessoas que estão agora mesmo a descobrir as suas origens sefarditas depois das mesmas lhes terem sido ocultas durante gerações.
Ronit Treatman, da Filadélfia, (na foto) é membro de mais de 25 desses grupos, incluindo Sephardic and Crypto-Jewish Research.
Em 2012, Treatman descobriu a sua própria história através de testes de ADN: Uma descoberta surpresa indicou que alguns membros da família se tinham mudado de Espanha para a Polónia.
“Isso mostrava que parte deles foi forçada a converter-se e teve que ir para o Brasil”, disse Treatman.
“A descoberta de origens judaicas, particularmente de ascendência criptojudaica, tornou-se mais comum agora, com os testes de DNA mais acessíveis”, disse Treatman. Empresas como a Family Tree DNA podem pesquisar mais especificamente as as raízes sefarditas.
Treatman descreve-se como “o outro lado do espelho”. Enquanto tantos outros membros dos grupos foram educados como católicos e estão agora a tentar aprender mais sobre as suas raízes judaicas, Treatman sempre soube que era judia (o seu pai foi diplomata israelita).
Ao longo de quase uma década a conhecer pessoas nesses grupos, Treatman tem conseguido ajudar dezenas de pessoas a encontrar textos, recursos e membros da comunidade, e tem reunido descendentes criptojudaicos de volta ao judaísmo.
Os judeus da Filadélfia estão habituados a ajudar descendentes de criptojudeus, também chamados de Conversos, Bnei Anusim ou Marranos, a palavra espanhola que quer dizer “porco” e que, na opinião de Treatman, é uma terminologia inadequada para o grupo.
A Congregação Mikveh Israel, a sinagoga mais antiga da Filadélfia, foi fundada por judeus espanhóis e portugueses através de uma sinagoga sefardita em Amsterdão.
Na década de 1920, foi a primeira sinagoga sefardita a responder aos pedidos do Comité Português de Marranos, “para que sejam aplicados fundos no retorno ao judaísmo de mais de 14.000 marranos que vivem em Portugal, como cristãos em público e como judeus secretamente, há mais de quatro séculos”, escreveu o líder religioso de Mikveh Israel Leon H. Elmalah numa carta de 31 de outubro de 1926.
O apelo foi feito em parceria com a Comunidade Sefardita de Londres, a Associação Anglo-Judaica e a Aliança Israelita, explicou a carta. A doação feita pela Mikveh Israel seria o equivalente a USD $ 50.000 de hoje, disse o rabino da Mikveh Israel, Albert Gabbai.
“Como somos uma sinagoga espanhola e portuguesa, e traçamos a nossa ascendência até aos judeus que escaparam — porque somos uma congregação que segue essa tradição iniciada por esses judeus, foi natural para nós ajudá-los”, disse Gabbai.
Gabbai visitou a comunidade judaica portuguesa, que agora tem entre 50 e 100 membros, em 2017, décadas depois dela ter recebido uma educação judaica por parte de rabinos israelitas enviados para ensinar os feriados judaicos.
A viagem foi animadora, disse Gabbai, pois conseguiu ver o que a ajuda da Mikveh Israel 90 anos antes foi capaz de fazer. Mas ainda há na zona preconceitos em torno dos judeus, disse ele.
Na viagem, Gabbai viu um turista numa igreja — erguida no lugar de uma antiga sinagoga — que perguntou o que tinha acontecido com os judeus que deixaram a sinagoga.
“O guia disse: ‘Nós convidámo-los a deixar o país’”, conta Gabbai.
O estigma contínuo reafirma o trabalho de Treatman, disse ela. Também impulsionou o trabalho de um amigo de Treatman, que ela conheceu num evento criptojudaico no Facebook: Keith Chávez, natural de Albuquerque, Novo México, que descobriu que era judeu aos 13 anos.
“A minha bisavó estava a morrer. Ficou acamada por um longo período de tempo antes de falecer, e queria falar comigo, com o meu irmão e com o meu primo”, disse Chávez. “Então convocou-nos juntos e disse: ‘Somos Sefarditos.’ Somos Sefarditos.”
Em retrospetiva, a origem judaica de Chávez fazia sentido para ele, apesar de, durante a infância, ter frequentado com o pai uma igreja católica. Enquanto a maioria das mulheres católicas do Novo México varria a casa empurrando o lixo para fora da porta, a sua bisavó usava uma pá, já que varrer para fora da porta violava as leis da mezuzá (embora a família nunca tivesse tido mezuzot nas ombreiras das suas portas). Ela insistia em obter e preparar a carne para as refeições do fim de semana de uma maneira que se assemelhava à lei kosher.
A história de Chávez assemelha-se à de muitos outros descendentes de criptojudeus, mas ele ainda se considera diferente.
Muitas outras pessoas com origens criptojudaicas negaram firmemente as suas origens familiares, dando preferência à sua educação católica. Se quiserem aprender mais sobre judaísmo, poderão enfrentar obstáculos por parte de alguns líderes judeus que não consideram os descendentes de criptojudeus como sendo judeus válidos sem passarem por uma conversão.
Agora professor adjunto de história e antropologia na Universidade do Novo México, Chávez tem ensinado sobre a presença de descendentes de criptojudeus no sudoeste dos EUA e a sua própria Inquisição, que só terminou no século XIX.
Como Treatman, Chávez é administrador de vários grupos criptojudaicos no Facebook. O Facebook ajudou a mudar a situação dos descendentes de criptojudeus que procuram conectar-se, disse Chávez, embora essas conexões permaneçam menores do que ele queria.
A certa altura, ele ajudou uma mulher finlandesa, que tinha acabado de descobrir a sua ascendência judaica, a conectar-se com um rabino em Helsínquia. Depois o rabino acabou por ajudá-la a fazer o processo de conversão.
“Senti-me muito bem,” disse Chávez. “Porque ela voltou para casa.”
Pode ler Aqui o artigo original em inglês.