Belmonte, Portugal – Notas de Viagem.

Aqui temos um excerto de um texto de Nora Goldfinger, que tem estado a viajar por vários locais de interesse judaico em Espanha e Portugal e aceitou partilhar a sua experiência connosco.
Depois de tantas vilas desertas, chegar a Belmonte e ver a sinagoga Beit Eliyahu encheu-nos de alegria. Entrámos e ficámos surpreendidos pelo número de pessoas que lá se encontrava, até que nos disseram que eram um grupo de israelitas de visita a Belmonte.
Enquanto acabavam de ler a Torá, eu queria guardar na memória o que via: As nove Estrelas de David azuis que emolduram as luzes do teto por cima da área das mulheres e um grande candeeiro decorado por três Estrelas de David douradas que se localiza quase mesmo por cima da bimá. As estrelas são de três tamanhos diferentes e duas delas estão enfeitadas com luzes.
De um dos lados do Aron haKodesh está uma menorá feita de madeira e do outro lado podemos ver os leões de Yehuda.
Depois da tradicional bênção dos Kohanim, foram devolvidos ao Aron haKodesh dois rolos de Torá. De repente, vi-me imersa na oração de Musaf, lendo a Amidá com judeus de outras partes do mundo, partilhando o espírito daquele Shabat particular.

Durante o serviço religioso, ouvi o rabino falar em espanhol com uma pronúncia parecida à de Buenos Aires, Argentina.

Aproximámo-nos para o cumprimentar e descobrimos que o seu nome é Elisha Salas e que era chileno.
Começámos a falar e o rabino contou-nos a história de Belmonte. Como resultado da Inquisição, a prática oculta do judaísmo por parte dos cripto-judeus fê-los esquecer muitas das leis judaicas. A comunidade não tinha sinagoga, não tinha ideia de como fazer a circuncisão e menos ainda da língua hebraica, mas guardavam Pesach, Yom Kipur e Shabat.

As mulheres desempenhavam um papel fundamental na preservação do judaísmo, porque eram elas as guardiãs e as transmissoras da tradição judaica. Cada casa era uma sinagoga, onde os valores e a cultura judaicos foram sempre transmitidos em absoluto secretismo, tal como na época da Inquisição. Para cada Shabat fazia-se a limpeza da casa, mudava-se de roupa e as pessoas juntavam-se para a refeição festiva. Para Pesach iam para o campo antes da meia-noite preparar o pão que comiam durante a semana festiva. Tudo isto era feito em segredo e aprendido através de transmissão oral, de uma geração à outra, especialmente das mães para as filhas.
Em Belmonte havia quatro famílias a manter o judaísmo e casavam entre si para manter viva a chama da sua religião e da sua cultura. Os seus apelidos eram Diogo, Henriques, Rodrigo e Morão. Conhecemos alguns membros destas famílias na sinagoga. Passámos pelas suas casas, com as mezuzot à entrada, simbolizando a sua devoção aos valores judaicos.

O rabino contou-nos que quando chegou a Belmonte havia 200 judeus sedentos de conhecimentos sobre judaísmo. O rabino começou a providenciar carne de acordo com as leis de cashrut, azeite, doces e outros produtos casher.

Outra das funções do rabino é ajudar a trazer cripto-judeus de volta às suas raízes, e por isso dá aulas de introdução ao judaísmo e apoia comunidades tanto em Belmonte como em Alicante (Espanha).
Daquelas 200 pessoas, muitas emigraram para Israel, outras já faleceram e hoje em dia há cerca de 50 pessoas ativas na comunidade.

Em Belmonte há um museu judaico relativamente novo onde se conta a história dos cripto-judeus. No museu é exibido um filme onde os descendentes destas quatro famílias contam as suas histórias sobre a sua vida judaica secreta no passado e sua vida hoje em dia como judeus.
O rabino foi muito gentil e convidou-nos a fazer kidush em sua casa. Entre os convidados estava uma família do Porto que passa muitas refeições de Shabat com o rabino. Recitámos as bênçãos, e depois foi servida um delicioso chollent com saladas. Falámos sobre valores judaicos, comentámos a parashat Noach e partilhámos a nossa realidade enquanto judeus da diáspora a viver em diferentes países. Cantámos zemirot de Shabat e despedimo-nos, com o coração cheio História e aprendizagem, e com a compreensão de que podemos conhecer outros judeus e ter com eles a experiência de sentir que a nossa História é comum, sentindo a sua como nossa.
Queremos agradecer ao rabino Salas pela sua amabilidade e pelo belíssimo Shabat que passámos com ele. Ajudou-nos a sentir uma vez mais o significado do Shabat.
Por Nora Goldfinger

Criadora da ONG Heme Aqui, que trabalha com pessoas com necessidades especiais através do jogo do golfe, na Argentina.
Nora e o marido estão a viajar por alguns dos locais de interesse judaico em Espanha e Portugal e concordaram em partilhar as suas experiências connosco. aLICANTE

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